quarta-feira, 1 de julho de 2009

VISIBILIDADE OU DESESTABILIZAÇÃO?

Leandro Paixão – estudante independente da Letras-USP

A morte de Marcelo Barros, espancado por skinheads, e a bomba caseira que feriu mais de 20 pessoas após a Parada Gay em São Paulo, no último dia 14, nos ensinam que foi um grande erro a transformação de um dia de luta contra a homofobia, o 28 de junho, quando gays enfrentaram a polícia com barricadas em 1969, em Nova York, em um dia de festa. Nenhuma conquista é permanente.
Se foi uma grande vitória do movimento gay a prisão dos skinheads que assassinaram Edson Néris na praça da República no ano de 2000 - o que se tornou um marco na luta contra a reorganização dos grupos neonazistas no Brasil -, também foi um grande erro confiar à polícia, à justiça e aos governos, estreitamente atrelados aos lobbies comerciais, industriais e financeiros, o destino de milhões de brasileiros que se enfrentam diariamente contra uma ideologia machista e homofóbica que vai encaixotando toda uma rica complexidade de comportamentos humanos, vivos, em comportamentos previsíveis, dentro da lei e da ordem legal que mata expressões de vida desviantes do que é aceito como normal. Só interessa ao establishment comportamentos humanos que possam ser adestrados pela voracidade do mercado em crise e na busca permanente por novos territórios para onde possa expandir-se e despejar suas quinquilharias mercadológicas.
A Parada gay e todo o mercado voltado para a tal “comunidade gay” forjam um identidade a este setor disperso e marginalizado da sociedade. Mas cada vez menos marginalizado na exata proporção em que seu potencial econômico, centrado nos gays de classe média, passa a visibilizar-se e a influir na circulação de capital. Essa identidade gay, forjada a partir do mercado, visibiliza uma “comunidade” que, em verdade, não existe por fora da articulação do capital, ou seja, fora dos bares, das boates, da lojas e do escopo dos produtos de mercado voltados a esta “comunidade”, que não pode se reunir, de forma segura e aceita, em lugar algum, fora do julgo do capital. A “comunidade” GLBT, como se apresenta hoje no Brasil e no mundo, constitui nada mais do que um público-alvo, construído e protegido pelas forças de segurança do Estado e do mercado na exata proporção de seu potencial econômico.
As próprias bandeiras de luta do movimento GLBT organizado mostram que a luta acomodou-se para não atrapalhar os interesses do mercado turístico durante as paradas, principalmente, porque elas movimentam milhões de reais anualmente e se tornaram fontes importantes de renda para inúmeras cidades mundo a fora. Os movimentos de luta, como a Conlutas, passam a ser banidos desses eventos, retirados das paradas na base do cacetete, pela polícia, a mando dessas ongs GLBTs que não veem a questão da opressão aos homossexuais como parte da violência imposta pelo mercado e pelas empresas aos trabalhadores em geral. Um grande erro. Tornaram-se aliadas dos interesse econômicos contra os interesses da população pobre, que sofre com a perseguição da polícia, a semi-escravização no trabalho, a sua exclusão dos sistemas de saúde e educação de qualidade, o seu direito a viver de forma plena e livre, como vivem os mega-endinheirados do sistema.
Não estivessem tão comprometidos com os interesses do capital, seria de se esperar que esses grupos GLBTs lutassem com mais afinco pela igualdade de direitos, criminalização da homofobia, direito à união civil de pessoas do mesmo sexo e extensão aos casais homossexuais de todos os direitos garantidos aos heterossexuais. Mas cabe aqui uma reflexão. O que queremos afinal? A incorporação dos homossexuais a uma sociedade fundada no direito do capital como superior ao direito à vida? Então é isso? Será que devemos nos tornar os fiéis defensores da sociedade que quer reger a vida pela força da lei? Não, não me parece que desejemos isso. Há um potencial de vida, nas relações homossexuais, forjado por sua necessidade de lutar para viver, que refunda a própria natureza das relações humanas. É isso que tanto incomoda o establishment, medroso de que qualquer desarranjo na sua ordem e na sua lei em que as coisas, massificadas, são mais valiosas do que os homens, do que a própria singularidade da vida, que não se sujeita a nada, que não se acomoda nunca, que, se vida realmente for, refunda-se permanentemente em novas formas e conteúdos vivos.
Se grupos de skinheads podem se organizar para atacar covardemente negros, homossexuais e nordestinos indefesos, nada mais justo do que negros, homossexuais e nordestinos passem a se auto-organizar para se defender desses ataques. Nenhuma confiança na polícia que só age sob a luz dos holofotes da mídia sensacionalista. Nenhuma confiança nos governos cúmplices do grande capital. Nenhum confiança no mercado que só protege quem compra e ainda assim somente enquanto compra. Virada a esquina do shopping ou da parada, vire-se sozinho, meu “amigo”.
É preciso organizar um movimento GLBT totalmente independente financeira e politicamente de governos e empresas. Só assim, a vida, que brota na diferença e no desvio do caminho previsto na lei terá chance de vingar.

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