segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Plenária do Movimento A Plenos Pulmões

Os capitalistas que paguem pela crise!
Organização dos estudantes junto aos trabalhadores!

Frente a tentativa de demissão do companheiro brandão as atividades do Movimento A Plenos Pulmões, incluindo nossa plenária, foram transferidas para a USP. Justamente porque é muito importante que a juventude encampe essa luta que já ganha apoio em todo o país. Desde ontem estudantes e trabalhadores se organizaram e estão acampados em frente a reitoria como forma de protesto à demissão.

Acompanhe a programação cultural do acampamento no domingo pelo blog da campanha.
Veja o blog da campanha:
http://contraademissaodebrandao.blogspot.com/

Sábado, 13|12, a partir das 14hs :

Teleconferência com estudantes da Itália e do Estado Espanhol
Plenária estadual do movimento
Apresentação do núcleo Pão e Rosas

local - Sintusp

Após a plenária:
FESTA
Contra a Demissão do Brandão
Sábado, 13|12, em frente a reitoria da USP

SINTUSP
Av. Profº Luciano Gualberto, travassa J, 374 - C. Universitária - Butantã
(ao lado da ECA)

Vídeo-panfleto:

http://br.youtube. com/watch? v=sKNe4qiZpvU

Abaixo-assinado contra a demissão de Claudionor Brandão

No dia 09/12/08, a reitoria da Universidade de São Paulo alegou demissão por justa causa a Claudionor Brandão, diretor do SINTUSP e representante eleito dos funcionários no Conselho Universitário. Essa medida faz parte de um processo de perseguição e punição a setores do movimento operário, estudantil e de movimentos sociais. Brandão fez parte, em diversos momentos, das lutas em defesa da universidade pública e da educação de qualidade e é por esse motivo que agora a reitoria da USP tenta colocá-lo na cada vez mais longa lista de demitidos políticos pelo país a fora.

Como delegado sindical e diretor do SINTUSP eleito em fóruns da categoria, Brandão sempre esteve à frente da defesa dos interesses do conjunto dos trabalhadores da universidade, se pautando em deliberações legitimamente tomadas pelos trabalhadores em suas assembléias e instâncias de decisão. Por tudo isso, as entidades, associações e movimentos abaixo-assinados REPUDIAMOS A DEMISSÃO do diretor do SINTUSP Claudionor Brandão. Trata-se de um ataque duríssimo à liberdade de organização sindical e política dos trabalhadores, estudantes e ao próprio SINTUSP. Exigimos a REINCORPORAÇÃO IMEDIATA E INCONDICIONAL de Claudionor Brandão aos quadros da universidade e a retirada de todos os processos administrativos e sindicâncias aos estudantes, trabalhadores e professores que lutaram em defesa da universidade.

Favor enviar adesões para: sintusp1@terra.com.br
com cópia para
contraademissaodobrandao@yahoo.com.br

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Atividades na Casa Socialista Karl Marx

Chamamos operários e estudantes para participarem nos próximos fins de semana das atividades políticas, culturais e festas que vamos realizar na Casa Socialista Karl Marx na Vila Madalena.
Churrasco e debate entre trabalhadores
6 de dezembro, 13h
Diversos trabalhadores, de várias categorias, junto com estudantes combativos, estão organizando para o próximo sábado (06/12) um churrasco onde realizaremos uma atividade social e política com amigos e familiares que compartilham das idéias expressas no jornal Palavra Operária. Estão convidados leitores e jovens trabalhadores que conhecem ou desejam conhecer as propostas dos socialistas revolucionários. Nesta atividade discutiremos a profunda crise econômica mundial que os capitalistas já procuram descarregar sobre nossos ombros, para manter seus lucros e seu domínio parasitário. Venha, com seus amigos e familiares, compartilhar entre trabalhadoras e trabalhadores momentos de confraternização e reflexão sobre como devemos encarar esta sociedade capitalista e dar passos para sua transformação em prol da maioria explorada e oprimida. PARTICIPE!
Movimento A Plenos Pulmões (APP)
13 e 14 de dezembro
Será mais uma ocasião onde vamos reunir todos os membros, simpatizantes e amigos em atividades abertas para refletir sobre os problemas da realidade e os desafios da juventude, combinado com cultura e diversão. Chamamos especialmente aqueles que simpatizam com nossas idéias e atuam conosco constantemente, mas ainda não estão convencidos da importância de organizar-se politicamente. A estes dissemos: mais que nunca a realidade está nos colocando essa tarefa e chamamos a discutir conosco o rascunho de um “Manifesto da APP frente à crise capitalista” que vamos debater numa plenária aberta no sábado, dia 13, às 14:00, a qual abriremos com uma Tele-conferência companheiros da Fração Trotskista – Quarta Internacional, organização internacional da LER-QI, que atuam na Europa e estão participando dos processos que vem protagonizando a juventude neste continente que viemos seguindo através desse jornal. Nosso objetivo é abrir uma reflexão desde uma perspectiva internacionalista, e seguindo nossa tradição de inspirar-nos nos fenômenos mais avançados da juventude. Foi nesse marco que realizamos nossa campanha de 40 anos do maio de 68, que para nós nunca foi uma mera lembrança saudosista, mas um exemplo de como a juventude e o movimento estudantil podem adotar uma perspectiva anti-capitalista e pró-operária. Isso é mais urgente frente ao cenário de convulsões sociais, políticas e econômicas que se abre com a crise, que coloca para a juventude enormes desafios. Para nós, quando o movimento estudantil italiano sai às ruas com a consigna “não pagaremos pela sua crise”, está apontando um novo caminho, um novo movimento estudantil. Queremos partir desse debate, em base a uma análise da realidade internacional e nacional, para debater as perspectivas da juventude e do movimento estudantil. Logo após a plenária, as companheiras estudantes e trabalhadoras do Núcleo Pão e Rosas, vão apresentar o manifesto que estão discutindo no movimento, com o intuito de que novas companheiras possam impulsioná-lo mais amplamente em seus locais de estudo e trabalho.. Mas fazemos um chamado muito mais amplo a todos os que queira participar da festa que vamos organizar no sábado à noite, com apresentações culturais, música, comes e bebes. Será só o começo das atividades culturais que vamos realizar durante toda a tarde e noite de domingo.
Acesse o blog do movimento e nos conheça melhor. Nele, você terá acesso aos nossos materiais e ao Desatai o Futuro, nosso boletim de debate marxista, cultura e política
CASA SOCIALISTA DE CULTURA E POLÍTICA KARL MARX
Vila Madalena - Praça Américo Jacomino, 49
Em frente ao metrô vila madalena

Desatai o Futuro nº01

Por que desatar o futuro?
Por Pedro Fassoni Arruda- Profº do Departamento de Política da PUC-SP e Felipe Campos- estudante de Ciências Sociais da Puc-SP e militante do Movimento A Plenos Pulmões.

"Quanto menos se comer, beber, comprar livros, for ao teatro ou a bailes, ou ao botequim, e quanto menos se pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar, esgrimir etc., tanto mais se poderá economizar e maior se tornará o tesouro imune à ferrugem e às traças – o capital" (Marx, Manuscritos econômicos e filosóficos).
Nicolau Maquiavel afirmou, numa conhecida passagem d'O Príncipe, que a política possui a sua própria moral – e esta é distinta da moral que rege as relações de amizade ou familiares (afinal, se um príncipe for ofendido e oferecer a outra face, certamente irá à ruína...). Contra a idéia de predestinação, o pensador florentino procurou resgatar a dignidade humana, reconhecendo que os homens são os senhores do seu próprio destino, e que a política é o único instrumento de transformação da realidade: nenhuma prece substitui a ação prática (os políticos podem não conseguir um lugar no Paraíso, mas a recusa em participar da política só pode nos levar ao pior de todos os infernos!). Da mesma forma, Marx se esforçou em compreender a relação entre economia e moral: o processo tautológico de acumulação de capital – um valor que valoriza a si mesmo – segue sua marcha inexorável, independentemente da consciência que os indivíduos possuam; trata-se de leis objetivas que independem da vontade dos próprios burgueses, aqui entendidos como "personificações do capital".
"A antítese entre Moral e Economia Política é em si mesma apenas aparente; há uma antítese e igualmente não há antítese. A Economia Política exprime à sua própria maneira as leis morais" (Marx, Manuscritos...).
A "sociedade dos produtores de mercadorias" (assentada na alienação dos trabalhadores, diante das condições objetivas da produção), com sua lógica da reprodução ampliada, faz abstração das necessidades humanas mais elementares, já que o valor de uso subordina-se ao valor de troca. Sabemos muito bem que a superprodução de alimentos pode coexistir com a fome de bilhões de seres humanos; afinal, o excedente nunca existe em relação à satisfação das necessidades do estômago, e sim em relação à capacidade de consumo em sua forma especificamente capitalista.
Ora, que perspectiva de emancipação o capitalismo pode oferecer à humanidade?
O capitalismo, nos últimos cem anos, só contribuiu para congelar a história, emperrando até mesmo o avanço do progresso, contendo o espraiamento do bem-estar para as classes-que-vivem-do-trabalho. Não se trata do fim da história, como pretendem seus apologistas bem-remunerados, mas de amarrá-la aos imperativos da ordem burguesa, impedindo a sua própria superação.
Se o capitalismo pudesse descrever a si mesmo, e ainda fosse honesto e sincero o bastante, talvez o fizesse nos seguintes termos:
"Na infância, fui mina de carvão, locomotiva a vapor, tear mecânico, concorrência e propriedade sem liberdade. Hoje sou monopólio, ameaça nuclear, congestionamento, poluição, capital fictício e total irracionalidade. Assim como no passado, tenho dificuldades de lidar com a democracia, ainda que formal. Nasci na Inglaterra, no final do século XVIII, das entranhas da sociedade feudal. Expulsei camponeses das terras, anexei territórios, subjuguei povos ditos incivilizados e tudo o que era sólido desmanchei no ar. Sou bárbaro e também reacionário, mas já fui progressista e consegui fazer as pessoas acreditarem nas minhas promessas. As três coisas que mais gosto são: acumular, acumular e acumular. O resto é revolução, lutas de classes e emancipação, mas tenho à disposição todo o aparelho repressivo do Estado para fazer valer a minha vontade de burguês. Sou o responsável pelas guerras, pela exploração e pela alienação social, política e econômica. Alguns me chamam de capitalismo, mas o sobrenome é o mesmo dos meus antepassados: selvagem. Apesar de tudo, tenho consciência de que assim como eu nem sempre existi, um dia vou desaparecer. Marx, Engels e Lênin afirmaram que eu encerro a pré-história da humanidade, mas tenho o condão de criar as condições objetivas para a minha própria superação. Estou morrendo, agonizando, e não me resta outra opção a não ser apelar para a reação, pois a classe trabalhadora já não consegue suportar o ônus dessa jornada. Pra falar a verdade, estou muito velho pra me sustentar, então que venha o novo. Não tenha medo dele...
Sim, desatar o futuro. Quem exige tal superação é o próprio estado de coisas: trata-se de uma necessidade histórica, objetiva. Mas a sua concretização depende da educação revolucionária, da vontade de lutar e da afirmação deste projeto através da força, da união e do trabalho coletivo.
O capitalismo não caíra por si só, será preciso derruba-lo.
A magnitude da crise que assola hoje as economias capitalistas do mundo confirma isso. Era evidente a impossibilidade de estender o padrão de consumo de uma família estadunidense para os restantes 06 bilhões da população planeta. O estabelecimento desse padrão de consumo só era mantido pelos créditos fáceis, com os quais através dos juros faziam a felicidade dos capitalistas(...) Agora os mesmos capitalistas que especulavam e com o suor dos trabalhadores conseguiam seus lucros, veem-se obrigados a redistribuir seus prejuízos nas costas do povo. Enquanto várias famílias norte-americanas não conseguem mais pagar as suas hipotecas e vão morar nos seus carros, trabalhadores começam a ser demitidos em todo o mundo, os governos burgueses injetam trilhões de dólares para salvar as imobiliárias e bancos da falência.
O desenvolvimento das forças produtivas cria as condições objetivas para a superação desta base miserável, em que se encontram os trabalhadores e trabalhadoras do mundo. Este desenvolvimento poderia ser ainda maior mediante abolição da propriedade privada dos meios de produção, e o controle racional num governo dos produtores livremente associados. O imperialismo, que aboliu a "livre concorrência", substituindo-a pelo poder incontrastável dos trustes e cartéis monopolistas, fez desaparecer a "chama vivificadora da concorrência", como Marx prognosticara no Capital, e Lênin constatara quando escreveu seu conhecido esboço popular, O imperialismo fase superior do capitalismo. A possibilidade objetiva de deter o próprio progresso técnico tornou-se realidade, razão pela qual Lênin sentiu a necessidade de ... Desatar o futuro. Infelizmente, a história não se desenvolve linearmente, e a burocratização do sistema soviético, depois do alijamento dos melhores quadros da revolução, acorrentou novamente os trabalhadores. Estes caíram em grilhões ainda mais pesados, feitos de ferro maciço forjado por operários, cujas jornadas no interior das smokestack industries ("fábricas de chaminé") eram tão extenuantes como em qualquer sociedade capitalista. É preciso recuperar a esperança de construir um mundo melhor, através da experiência da história e do conhecimento do atual estado de coisas...
Não há capitalismo organizado. As únicas coisas que ele é capaz de organizar são a exploração, a disciplina dentro dos muros da fábrica e seus aparelhos repressivos, como a polícia e o exército. Sequer a produção de mercadorias (submetida à anarquia do mercado) e a partilha do butim podem ser organizadas. Também os capitalistas matam uns aos outros. Quem pretender "humanizar a face do capitalismo" mediante reformas esbarrará em limites objetivos.
O capital não tem pátria. O Estado nacional, contraditoriamente, organiza a dominação de classe através do seu "comitê executivo", que administra os interesses comuns das frações burguesas. Nem pátria nem patrão, mas não há como acabar o poder sem antes tomá-lo de assalto.

Então, como desatar o futuro? Sejamos realistas, só pediremos o que for possível, conforme um "programa mínimo":
Nas fábricas: desatar o nó da gravata dos chefes e gerentes (meros cães-de-guarda da classe patronal), substituindo os "colarinhos brancos" e outros símbolos de poder – e o próprio poder – pela cooperação. Abolir os cargos burocráticos não-ligados à atividade diretamente produtiva. Eliminar os parasitas, ou seja, os proprietários e seus lacaios que formam a aristocracia operária. Ocupação, autogestão, conselhos de fábricas, abolição da divisão do trabalho, isonomia entre homens e mulheres, reduzir as jornadas de trabalho ao máximo para trabalhar todos e menos; submeter todo o processo produtivo ao controle racional dos trabalhadores, que regularão o metabolismo com a natureza com o menor emprego de força humana possível, como o mínimo desperdício e a maior eficiência. Usar o tempo livre de forma criativa: aprender a tocar um instrumento, viajar, dançar, amar, passear com a família e o cachorro, praticar esportes e estudar, discutir, deliberar, questionar, refletir;
A liberdade de cada um é a condição da liberdade de todos, em substituição da idéia burguesa de que "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro". Explosão de guaritas, colocar abaixo os muros de condomínios fechados, mudar nomes das ruas que homenageiam os patrões, milícia operária e popular em substituição da polícia burocratizada/militar/assassina/defensora da propriedade;
Nas escolas e universidades: desatar o conhecimento, expulsar a ignorância. Recriar o marxismo tirando-o das mãos dos liberais que esgotam suas ações revolucionárias. Voltar a produção de conhecimento aos trabalhadores torna-la pública de fato, expulsando os bancos, fundações e até mesmo a igreja que almejam impor as diretrizes do saber. Relação entre escola e empresa? Só se ambos estiverem sob controle dos produtores diretos. Ah, e já que pretendemos derrubar os muros que separam os países, acabar com as catracas nas universidades, sejam elas –as catracas – visíveis ou não. E não apenas levar a classe trabalhadora até a universidade, mas também levar a universidade até os trabalhadores; Desatar a Universidade para desatar a sociedade, não aceitar a formação que nos é imposta para dar continuidade a ordem sangrenta do capital, não ser o advogado que livra a cara das empreiteiras para não pagar direito e indenizações aos trabalhadores, sociólogos que teorizam em Ong´s a ilusão de um regime falido suavizando a exploração e opressão do povo pobre, historiadores que relatam a história do “branco vencedor” e do “negro derrotado”. Defender os trabalhadores nas suas lutas até as últimas circunstancias, denunciar para sociedade à ganância dos ricos que sustentam a miséria dos explorados. Defender o futuro próspero da humanidade sem idealismo, enfrentando aqueles que impedem que ele chegue!

Desatai o Futuro nº01

Rascunho de Manifesto do movimento A Plenos Pulmões frente à crise capitalista

O capitalismo parece estar à beira do abismo e arrastar a universidade (de classe) e a intelectualidade (de classe), e já está descarregando sua crise sobre as costas dos trabalhadores e da juventude. Mais do que nunca é urgente a necessidade de organizar-se para responder aos ataques e passar à ofensiva.
Que a crise seja paga pelos capitalistas!
Desatai o futuro!
Participe e divulgue a plenária do Movimento A Plenos Pulmões! Conheça! Construa!


O capitalismo dito “neoliberal” já despejou mais de 3 trilhões dos Estados (quase 10% do PIB mundial) em salvamento dos bancos e não consegue estabilizar-se. É que estamos frente a uma crise que é muito mais do que o estouro de uma bolha imobiliária, muito mais do que uma crise de crédito, mais do que uma crise do “neoliberalismo” ou de “mais uma crise cíclica”. Estamos frente a uma crise de patamares catastróficos e históricos, que se combina com uma crise política no seio do imperialismo hegemônico norte-americano em decadência, que além de tudo está imerso em guerras cada vez mais empantanadas no Iraque e Afeganistão.
Muito se discute sobre essa crise, mas o fato incontestável é que estamos no começo do começo de uma crise econômica profunda, a pior desde 29. Vejamos um significado pouco discutido dessa comparação. A Grande Depressão deu lugar a enormes convulsões econômicas, sociais e políticas. Como expressões mais agudas, temos por um lado os processos revolucionários na França e Espanha, e por outro o nazi-fascismo. Mas tudo isso não foi suficiente para que o imperialismo norte-americano consolidasse sua hegemonia, para isso, ele foi a maior guerra da história da humanidade que matou mais de 100 milhões e destruiu países inteiros.
Se vivemos uma crise econômica de tal magnitude, combinada com a decadência do imperialismo norte-americano, é para fenômenos dessa magnitude que temos que preparar-nos a partir de agora. Se essa crise catastrófica é um grande perigo porque o capitalismo não cai se não é derrubado, e a burguesia é capaz de arrastar o conjunto da humanidade para uma barbárie ainda maior que a que vivemos, é também uma grande oportunidade para aqueles que lutam pela transformação radical dessa sociedade decadente. As crises sempre dão lugar a processos de resistência e abrem a possibilidade do novo. Não foi assim só em 29. Em crises de magnitude muito menor, como por exemplo, a última de 2000-2003, teve lugar na América Latina processos de luta que derrubaram vários governos e mais de 40 países tiveram revoltas frente ao recente aumento dos alimentos.
É por isso que dizemos com toda segurança que as mobilizações que já estão ocorrendo em países como a Bélgica, Itália, México, Colômbia e outros. Essas são as primeiras respostas dos trabalhadores, os primeiros ensaios da luta de classes que está por vir como resposta ao intento declarado dos capitalistas de descarregar a crise sobre as costas dos trabalhadores do mundo com demissões em massa, ataques aos salários, roubo do dinheiro público (da educação, saúde, etc) para salvar os capitalistas da crise que eles geraram, e isso é só o começo!
Ao contrário da propaganda do governo, a crise já chegou e os trabalhadores e a juventude já começam a pagar a conta. A desvalorização do real (uma das moedas mais golpeadas do mundo) já é um ataque direto ao poder de compra dos salários, o governo já liberou bilhões dos recursos da educação, saúde, etc, para os bancos, já foram centenas de demissões na Zona Franca de Manaus, férias coletivas vem se tornando cada vez mais comuns, já voltou à pauta a "necessidade das reformas estruturais" e a "necessidade dos cortes nos gastos públicos", etc.
A juventude será particularmente atacada, já que ocupamos os trabalhos mais precários, os que mais sofremos com o desemprego, e veremos a educação sendo ainda mais destruída. Somos nós que juntamente aos trabalhadores terceirizados e precarizados, os negros e as mulheres, os que vamos ser os primeiros a sentir a crise. Por isso, queremos ser uma corrente que desde dentro da universidade e do movimento estudantil lute por uma aliança privilegiada com esses setores que são os mais expostos aos ataques, além de ser dentro da universidade a voz dos setores mais explorados e oprimidos da sociedade, levantando dentro dela suas justas demandas.
Mas não são somente as bolsas que caem, a recessão que se expande e tantos outros fenômenos econômicos e de resistência aos ataques. As convulsões do capitalismo, ou “derretimento sistêmico” nas palavras do FMI, está dando lugar a um fenômeno ideológico em setores cada vez mais amplos dos trabalhadores e da juventude que se questionam se o capitalismo funciona. Em algumas semanas ruíram uma ampla gama de ideologias e teorias propagadas desde os anos 90 como a do "fim da história", a "mão invisível do mercado" e tantas outras. Não à toa, vem se transformando em lugar comum a comparação da derrocada de Wall Street como “a queda do muro” do capitalismo. É verdade que a perspectiva do marxismo e da revolução ainda não é adotada como saída devido à que o resultado de 70 anos de stalinismo e 30 do chamado “neoliberalismo” onde a revolução foi completamente apagada da consciência das massas em patamares nunca antes conquistados pela burguesia, o que foi combinado com um ataque em regra ao marxismo, desfigurando-o e deturpando-o, e encontrando pouca e débil resistência por parte do marxismo academicista e da esquerda sindicalista. Porém, o que também é verdade é que o marxismo que era visto como uma coisa atrasada, em poucas semanas volta a ser tema de debate em todo o mundo, o que tem uma expressão concreta nos recordes de vendas de Marx e o Capital em vários países do mundo. Se os que se reivindicam marxistas foram incapazes de dar uma resposta à realidade e tirar o marxismo do isolamento colocando-o na ofensiva, a realidade está ajudando a mostrar a sua vigência.
A universidade escancara sua decadência histórica. Não poderia ser diferente se tratando de uma universidade de classe. Mais ainda no Brasil onde a universidade é das mais elitistas e racistas do mundo, tornando particularmente aguda a separação do conhecimento nela produzido e os limites impostos pelas amarras da propriedade privada. Se a crise econômica se discute em cada fábrica ou boteco, a universidade mostra sua falência ao não deixar entrar esse debate senão pela via dos ataques. Desde os mais seguros “neoliberais” de antes, passando pelos pós-modernos mais “requintados”, até os “marxistas” embebidos de ceticismo, todos dizem não ser especialistas ou repetem o senso-comum mais conservador e anti-científico. Algumas teorias que até algumas semanas atrás eram apresentadas como as grandes novidades, mostram seu anacronismo de forma contundente. Enquanto isso, o tão atacado como anacrônico marxismo, agora parece ter dado um xeque em todas as teorias inimigas que tentaram enterrá-lo. Como agentes reprodutores da ideologia burguesa decadente, os intelectuais não poderiam estar mais perplexos ou chocados, afinal, é seu prestígio de anos que está em questão. Preferirão ruir junto com a ideologia burguesa ou traçar um caminho auto-crítica e se ligarão aos trabalhadores e suas lutas? Será o ceticismo algo tão arraigado? Não sabemos. O que é certo é que sem uma nova geração de intelectuais marxistas revolucionários, essa ruptura será muito mais difícil e tortuosa. A juventude não carrega nas suas costas o peso das derrotas do passado e dos rios de tinta dos livros, artigos e pesquisas que parecem ter sido escritos em vão.
Quando a ideologia propagada nas recentes comemorações dos 40 anos do maio de 68 não era reacionária ou de uma mera “revolução cultural e sexual”, era, no melhor dos casos, envolta por um espírito saudosista no tom de “que bela a rebeldia daquela juventude, bons tempos aqueles”. Nós buscamos apontar outra perspectiva. Para nós, 68 não é uma lembrança do passado, mas um exemplo vivo cujas lições ganham maior energia frente ao capitalismo em ruínas. Nada mais atual do que “do questionamento da universidade de classes ao questionamento da sociedade de classes”, nada mais vigente do que a necessidade do movimento estudantil ser dentro da universidade a voz da maioria da sociedade, dos trabalhadores e do povo pobre. A necessidade de uma aliança estratégica entre estudantes e trabalhadores, que na universidade tanto nos disseram que não existe, mostrará sua necessidade e vitalidade. Nos juntemos aos trabalhadores para que a crise seja paga pelos capitalistas! Aliança operário-estudantil para barrar os ataques e passar à ofensiva! Viva 68 hoje!
É necessário abrir uma nova etapa no movimento estudantil brasileiro. As lutas desde o ano passado não foram nada mais do que os primeiros espasmos de um gigante adormecido, ainda carente de experiência, programa e estratégia capaz de levar às lutas a vitórias, nem no sentido corporativo, e muito menos para a sociedade. Ao contrário, a burocracia estudantil, com sua política, isolou ainda mais o movimento estudantil frente à sociedade, deixando nas mãos do governo a bandeira da “democratização da universidade” ao não levantar nenhum programa pela positiva que o desmascarasse. Mas as derrotas podem ser transformadas em fortalezas se são um caldo de cultivo para tirar lições profundas que preparem embates superiores. Enterremos o movimento estudantil dos 90 que ainda vive no século XXI por responsabilidade da burocracia estudantil que teme o novo! Pela auto-organização e por entidades militantes que atropelem a burocracia estudantil!
Nossa geração foi educada no individualismo mais tacanho. Uma grande parcela dos estudantes entraram e seguem entrando nas universidade com uma ilusão de ascensão social. Até mesmo aqueles estudantes que se reivindicam marxistas, se enfrentando corajosamente com toda a campanha contrária, em grande parte se adaptam à perspectiva academicista não estudando-o desde o prisma de intelectual orgânico da classe trabalhadora e vendo o marxismo como guia para a ação revolucionária, mas como uma “teoria a mais” e terminam se adaptando ao regime universitário.
A politização cada vez mais ampla na sociedade é só o começo da nova etapa internacional e nacional que se abre. É chegado o momento de superar o individualismo e se organizar para ter a satisfação de carregar um pedaço da história! Chamamos todos aqueles que simpatizam com as nossas idéias, muitos que já atuam conjuntamente conosco no movimento estudantil, ou que concordam com nossas idéias, mas ainda não decidiram se organizar ou não estão convencidos plenamente dessa necessidade, a participarem da plenária e construir junto conosco uma alternativa para a juventude e os trabalhadores.

Desatai o Futuro nº01

12 de dezembro
Greve geral!

Por Ciro Tapeste, FT-Europa

Este final de semana, o centro da vida noturna dos jovens romanos se deslocou para a Cidade Universitária de La Sapienza. Até o avançar das horas via-se nas escadas das faculdades ocupadas grupos de estudantes de todo o país discutindo animadamente as perspectivas do movimento estudantil; outros, famintos, procurando alguma cantina improvisada na qual tivesse ainda alguma provisão e os mais cansados, depois de quase doze horas de assembléia, preparando seus sacos de dormir para descansar em um dos anfiteatros. Os 2 mil ativistas reunidos neste final de semana em Roma deixaram claro qual era seu programa: contra os planos da ministra Gelmini levantam a perspectiva de uma reforma da universidade desde as bases, a "auto-reforma", e contra a política do governo e da Confindustria, a patronal italiana, estão decididos a seguir mobilizando-se e apoiar com tudo a greve geral de 12 de dezembro. O "tsunami", como se autodenomina o movimento estudantil, "onda anômala" em italiano, não é na verdade nada mais que, para seguir com uma metáfora dos fenômenos climáticos e naturais, a ponta de um iceberg mais profundo que se chama luta de classes.
"Tsunami" estudantil, paralisações escalonadas, greves selvagens: uma radiografia da mobilização social na Itália
Os últimos 15 dias foram particularmente agitados. Ainda que se tenha adotado boa parte da contra-reforma Gelmini da educação, os secundaristas e os universitários não baixaram a guarda, pelo contrário. A mobilização mais importante, sem sombra de dúvidas, foi a mobilização nacional de 200 mil pessoas da sexta-feira dia 14, que coincidiu com a greve geral de consulta universitária proclamada pela CGIL e UIL a qual aderiram os estudantes mobilizados de todo o país e depois se conformou a primeira coordenação nacional estudantil. Na frente mais diretamente social a CGIL teve que reconsiderar suas posições nas últimas semanas. Entretanto, as direções nacionais mais conciliadoras as CISL e da UIL tentavam manter certo equilíbrio entre o sentimento de "responsabilidade", ou seja, negociar com o governo e a patronal os ataques estão sendo alvejado sobre as classes subalternas, e o descontentamento perceptível entre sua base. A direção da CGIL e suas distintas federações se encontram pressionadas pelo descontentamento existente entre os trabalhadores pela situação econômica e a avalanche de demissões anunciadas, pelas provocações direitistas do governo e, em última instancia, pela mobilização estudantil que serve de caixa de ressonância social e política simbolizada pelo famoso "nós não pagaremos a sua crise" cantado em todas as marchas universitárias.
A direção da CGIL entre os estatais teve que manter a paralisação escalonada na primeira quinzena de novembro enquanto que CISL e UIL se retiravam e preferiam negociar com Berlusconi. No setor do comercio, um dos mais precários na Itália, a CGIL, chamou à mobilização do dia 15. Na terça-feira dia 11 de novembro, as principais cidades italianas haviam sido paralisadas por uma paralisação geral do transporte, a terceira deste ano. Naquele mesmo dia, os trabalhadores da Alitalia, sob ameaça de 2 mil demissões, paravam o aeroporto de Roma em caráter "selvagem", ou seja, sem autorização legal se opondo ao plano de desmantelamento da companhia de forma acordada entre a patronal, o governo e as burocracias confederais.
Enquanto a nível local, sobretudo no norte do país, circulam chamados de greve contra os fechamentos de fábrica, como em Turin no dia 20 e em Brescia em 21/11, a Assembléia Nacional dos Delegados Metalmecânicos FIOM decidiu convocar uma paralisação em 12 de dezembro. Esta data terminou convertendo-se, como tinham pedido os estudantes romanos em luta a fins de outubro, em uma greve geral chamada pela CGIL e na atual se somaram nestes dias os sindicatos de base.
Até a greve geral de 12 de dezembro. Organizar-se desde baixo e nos coordenar para preparar melhor o enfrentamento com o "Cavaliere" e a patronal
Como esboçavam nas discussões alguns estudantes e trabalhadores combativos neste fim de semana na Cidade Universitária, após várias semanas de mobilizações, já se pode tirar algumas conclusões. Todas estas lutas mostram como a burocracia sindical, particularmente a CGIL que "girou à esquerda" nas últimas semanas, está tencionada entre seguir negociando com o governo e a patronal e ao mesmo tempo ser parte das lutas e inclusive encabeça-las para não perder seu controle. Isto explica o caráter aparentemente paradoxo da política atual de Epifani (dirigente da CGIL). Se na Alitalia a CGIL firmou o acordo privatizador da empresa, traindo as greves dos trabalhadores, ou se no transporte os três principais sindicatos chamaram a frear para melhor retomar as discussões com o governo, Epifani se viu obrigada, a nível global, a transformar a convocatória à paralisação metalmecânica do 12 de dezembro em um chamado à greve geral pela primeira vez desde 2004.
Atuando como caixa de ressonância social e política, a vanguarda estudantil em luta, em certo sentido, deu um salto de qualidade nas últimas semanas, como indicam os principais pontos do chamado dos universitários romanos, depois da massiva paralisação de professores e estudantes. Naquele chamado se fez referência à necessidade de coordenar todas as lutas em curso, e que o 12 de dezembro seja a ocasião para que todas as direções sindicais chamem conjuntamente a parar, para além de suas diferenças. Sanciona-se também a necessidade de por em pé uma coordenação nacional estudantil, que terminou reunindo-se nos dias 14 e 15/11 na capital, após anos em que nada do tipo ocorria. Se a pressão estudantil conseguiu impor a frente-única entre a CGIL e o sindicalismo de base e articular uma coordenação nacional que desse um perfil político de maior envergadura à mobilização, o caminho que teremos adiante segue sendo muito complexo para dizer que efetivamente a crise não será paga por nós operários e estudantes.
Como nos demonstra a orientação ambígua da burocracia sindical, que sepulta as lutas por um lado e chama a mobilização por outro, a questão da construção da greve geral por baixo entre os operários e estudantes, imigrantes, precarizados e desempregados, é mais urgente que nunca para que a paralisação geral seja o mais incisiva possível. Por outro lado, a coordenação nacional estudantil, para além de todas suas limitações, demonstrou que estudantes coordenados desde baixo conseguem um maior peso do que quando estão fragmentados nos conflitos. Lutar por colocar em pé uma coordenação nacional operária e estudantil das vanguardas em luta seria a melhor forma para construir uma corrente capaz de opor-se em forma coordenada contra a linha vacilante da burocracia e a melhor garantia para que a atual onda de mobilização vá criando as condições mais favoráveis possíveis para seguir enfrentando um governo descaradamente direitista e reacionário e a uma patronal que anuncia um milhão de desempregados para os próximos meses.

Desatai o Futuro nº01

Para entender a crise capitalista através do marxismo
Thiago Graco

A crise capitalista corre o mundo. O socorro trilionário aos banqueiros não detém a queda das bolsas em todo o mundo que registram perdas diárias recorde, e a crise já abala as estruturas da economia. As montadoras e fábricas de automóveis anunciam férias coletivas e ameaçam demissões de operários – com gigantes como a GM anunciando a possibilidade de pedirem concordatas -, as lojas não vendem mais a prazo como antes e nem os bancos emprestam como antes. Instruída por uma política de estado a consumir tudo que o mundo produzia contraindo dívidas, a inadimplente classe média norte-americana hoje é forçada a residir em seus carros e o Estado norte-americano dá aos bancos credores 700 bilhões de dólares para que suas casas hipotecadas permaneçam vazias.

Na América Latina, o salário do trabalhador corroído pelo preço dos alimentos e o desemprego batendo na porta não é mais novidade, e o preço do dólar sobe. No Brasil, no momento em que os bancários faziam greve, as grandes agro-exportadoras e latifundiários ainda perseguem o homem do campo que morre de cansaço na colheita da cana, ou nos fornos de carvão sob trabalho escravo recentemente noticiados. Mas o Banco Central anunciou: um remédio para a crise de 128,3 bilhões de reais para os agro-exportadores e banqueiros, garantias do governo Lula! A seca creditícia faz os burgueses correrem para a bolsa de valores com medo que seus financiadores estrangeiros tirem seus dólares de suas empresas, para salvar os bancos nos EUA e Europa. Segundo o governo, há ainda 73 bilhões para o mesmo fim. A disposição nunca foi tão grande por parte dos políticos para reverter a crise... dos capitalistas.

A sociedade capitalista consome toda a nossa vida, nossa felicidade, é um desperdício irracional dos recursos naturais, em função da felicidade e do luxo de um grupo de parasitas. Um sistema que empurra toda a sociedade constantemente para as crises sociais e econômicas e guerras ao longo da história, assim como esta crise mundial que vemos se aprofundando cada vez mais nas notícias dos jornais. Uma sociedade como essa não merece nada mais do que a morte, para que dela surja uma nova.

Como ocorrem as crises no capitalismo

A lei da queda tendencial da taxa de lucro

No capitalismo toda a produção dos bens úteis está em função de fazer do processo de produção e venda um processo rentável. O que movimenta o capitalista a investir é a “taxa de lucro” que irá realizar depois de fazer um investimento. Se investe no total R$1000 e recebe em troca R$1500, tem então uma “taxa de lucro” de 50%. Se a taxa de lucro sobe, significa que é um ótimo investimento e outros capitalistas irão concorrer investindo no mesmo negócio. A grande contradição estrutural do capitalismo é que justamente o esforço conjunto de investimento na produção por maior rentabilidade, torna a taxa de lucro cada vez menor em todos os tipos de investimento até um limite insustentável, e a economia como um todo pára.

O capital investido se divide em duas partes: o que é investido em salários, e o que é investido em máquinas, matéria-prima, tecnologia, infra-estrutura etc. Os custos de produção com máquinas, matéria-prima, tecnologia sempre têm que ser reinvestido para manter o processo de produção. As máquinas não trabalham sozinhas, é sobre o trabalho não pago extraído do trabalhador que o capitalista tira seu lucro, a chamada mais-valia. Se paga mais salário ao trabalhador, lucra menos, se paga menos salário lucra mais. Assim, a taxa de lucro define-se pelo montante de mais-valia, ou seja trabalho não pago do qual o capitalista se apropria, sobre a soma do capital constante (aquele empregado em meios de produção), mais capital variável (ou seja, força de trabalho, portanto salário).

Diferentemente do que ensinam os economistas clássicos, para os marxistas o lucro do capitalista não vem da oferta e procura das mercadorias, mas do produto do trabalho não remunerado. Tudo que nos circunda (roupas, comida, móveis, veículos, prédios etc.) é obra dos trabalhadores, que transformam a natureza a partir do seu trabalho, que no capitalismo adquirem valor. Ao criarmos com nosso trabalho as mercadorias, adicionamos a elas o que custa a nossa existência, o que consumimos para viver, somos fonte de valor e adicionamos valor aos produtos. O lucro do capitalista existe na proporção que ele vende o valor de nosso trabalho e nos retorna apenas parte disso como salário. As máquinas e infra-estrutura são obras do trabalho humano, mas não produzem valor, apenas tornam, por sua vez, o trabalho humano mais rápido e eficaz. Quando trabalhamos com equipamento e tecnologia avançada, dividimos o custo de nossa força de trabalho na maior quantidade de mercadoria ou serviços que produzimos, barateando os produtos que produzidos em maior quantidade. Isso faz o capitalista substituir muitos trabalhadores por menos trabalhadores equipados com máquinas, inundando o mercado com utensílios baratos, até que sua produtividade seja alcançada pela concorrência da mesma forma. Essa reação em cadeia faz que a proporção de capital investido nas máquinas seja maior do que o capital investido em trabalhadores, diminuindo a fonte do trabalho não pago que o capitalista pode extrair, levando a taxa de lucro a cair. Dá-se, desta forma, o que Karl Marx chamou de lei da queda tendencial da taxa de lucro.

Por isso uma via dos capitalistas manterem sua taxa de lucro é atacar as condições de vida do trabalhador, reduzindo o salário e aumentando a jornada de trabalho para nos explorar o máximo possível, o que só pode ser impedido pela ação dos trabalhadores na luta de classes.

Mesmo assim, reduzindo a sobrevivência do trabalhador à miséria, o aumento de produtividade encontra seu limite. O mundo é finito e os mercados também, a grande parte dos consumidores são os próprios trabalhadores, que tendo sua condição de vida atacada pela contração dos salários e desemprego crescente, deixam de ser consumidores em potencial, levando à contração do poder de consumo dos mercados existentes.

Temos então uma crise de superprodução, a mercadoria não é vendida, o processo de investimento não se realiza e não tem mais lucratividade, e para o capitalista perde sua função, empresas com total capacidade de produzir fecham as portas e uma massa de desempregados impedidos de trabalhar é relegada à fome. No capitalismo a produção não se movimenta pela necessidade humana, mas pela lucratividade do negócio.

Depois que a crise destrói capital acumulado, seja pela forma de fechamento massivo de empresas ou pela destruição física de meios de produção através de guerras imperialistas, o capital abre novas possibilidades de investimentos através da conquista dos novos mercados emergentes ou na reconstrução dos antigos mercados devastados, e recupera novamente a sua taxa de lucro. As quedas da taxa de lucro ou sua recuperação fecham ciclos de queda ou auge do capitalismo.

Os ciclos de crescimento e queda nos mostram a curva do desenvolvimento do capitalismo. As oscilações da conjuntura econômica (auge-depressão-crise) alimentam mudanças nos regimes políticos, nas relações entre os estados, acirram a diferença entre os imperialismos e as semi-colônias e o antagonismo entre capital e trabalho, ou seja, alimentam a luta de classes. Acompanhar estes ciclos é de fundamental importância.

As crises cíclicas e a curva do desenvolvimento capitalista

Crise cíclica e crise de padrão de crescimento
É necessário que tenhamos em mente que o capitalismo não se caracteriza pelo periódico surgimento dos ciclos de bonança e de depressão idênticas a si mesmas, pois se assim fosse a história seria um carrossel, uma repetição de ciclos que sobem e descem, mas que no final sempre terminariam restaurando o seu padrão anterior, tornando de fato imutável. A história se desenvolve de forma dinâmica e os ciclos econômicos comerciais, industriais ou financeiros podem se desenvolver de forma imensamente contraditória, como acontece neste exato momento.

Podemos dizer que desde a reconstrução do mundo destruído pela 2ª Guerra até o final dos anos 60 o capitalismo viveu um ciclo de prosperidade, onde se teve aumento da taxa de lucro com acúmulo de capital investido até um determinado limite. Já no final dos 60 até a metade dos anos 80, houve uma forte queda da taxa de lucro e crise capitalista, então a onda neoliberal – resposta da burguesia imperialista a este processo - que houve a partir de 1988 atacou os trabalhadores, se expandiu com a abertura dos ex-estados operários e recuperou sua taxa de lucro novamente. Porém, isso abriu um fenômeno qualitativamente distinto no crescimento do capitalismo, pois diferente dos padrões de crescimento anteriores não tivemos nas últimas duas décadas e meia uma concordância entre o aumento da taxa de lucro e o aumento da acumulação de capital investido. O que ocorre com o capitalismo hoje?

Dizemos que hoje não vivemos uma crise cíclica do capitalismo, mas sim uma crise de padrão de crescimento. Passamos por diversas crises cíclicas (auge-depressão-crise) durante toda uma curva de desenvolvimento capitalista que deveria ter se encerrado, mas que se prolongou de forma inédita através de meios artificiais. Desde a metade dos anos 80, a economia que crescia não se transformou em aumento da acumulação (forças produtivas, PIBs, e todas as atividades relacionadas aos setores chave da economia mundial) em relação à taxa de lucro dos capitalistas que se manteve em crescimento, diferente de todas as outras épocas e ciclos da história.

Um ataque brutal à classe operária durante o chamado “neoliberalismo” gerou de início um crescimento do nível da taxa de lucro através massas de trabalhadores desempregados e arrocho salarial que por sua vez impedia que a imensa quantidade de produtos fosse vendida, gerando mais desemprego e salários mais baixos. Neste momento os capitalistas encontraram investimentos lucrativos no crescimento do mercado financeiro, e não na produção aprimorada de novos bens. Foi então disponibilizado crédito com juros baixos para o consumo direto das famílias dos países imperialistas, em especial os EUA -que se tornou o maior devedor do mundo- e uma especulação financeira sobre o crédito emprestado para este consumo direto. Além disso se iniciou a especulação na sobre-acumulação de determinados nichos da economia que garantiam este consumo, em que fosse possível investir com alta lucratividade, como a China, as empresas “pontocom”, o mercado imobiliário, construção civil, e matérias-primas.

A presença do mercado financeiro e sua relação com a economia real

Gerou-se a partir daí uma alta de capital acumulado baseada na valorização virtual das ações do mercado financeiro, em especial as que estavam baseadas no endividamento da classe-média norte americana e nos nichos de produção, como as “commodities” e a economia chinesa. Este padrão de crescimento gerou um mercado financeiro hipertrofiado, seu valor representa hoje quatro vezes o valor de todo o PIB mundial.

O peso do mercado financeiro sempre existiu na economia imperialista. Quando uma empresa abre seu capital na bolsa de valores, todo seu patrimônio (dinheiro em caixa, lucratividade, prédios, bens etc.) é contabilizado em ações a fim de que qualquer um com dinheiro suficiente possa comprar uma porcentagem destas ações, “emprestando” dinheiro à empresa, e obtendo ao vender as ações uma diferença conforme esta empresa se valoriza. A questão é que o mercado de ações da bolsa de valores pode sofrer uma especulação, sendo aumentado ou diminuído o valor das ações através de meios artificiais. Diversos capitalistas encontraram no mercado de ações um refúgio para valorizar seu dinheiro infinitamente frente a uma economia que não permitia mais uma taxa de lucro satisfatória, o problema é que todas as ações não valorizam conforme o mundo real, mas são diretamente baseadas na economia real.

A queda na procura e nos preços ameaça o trabalhador com o desemprego em massa, O crédito fácil que mantinha o padrão de consumo se esgotou, o que coloca em xeque a posição dos EUA como consumidor em último caso de tudo que o mundo produz, repercutindo em uma freada na economia, principalmente da China, Japão e União Européia, esta que sofre com a falência de importantes bancos e anunciou uma injeção trilionária através de seus bancos estatais para retardar a crise no sistema bancário europeu. Os elos débeis europeus já mostram sinais de fraqueza, como a Finlândia onde já houve uma bancarrota financeira, e na Bélgica onde os trabalhadores colocaram de pé uma greve geral de 24h contra a carestia de vida.

No México a crise alimentícia provoca um novo processo de mobilização, e houve ainda a luta dos professores de Morelos relembrando a luta da Comuna de Oaxaca iniciada em 2006, enquanto uma greve de caminhoneiros no Chile paralisa parcialmente os transportes. Este é o momento dos comunistas por de pé partidos revolucionários em seus países, que confrontem diretamente a ação e ideologia do capital através de um programa que responda as necessidades das mais imediatas às mais profundas de toda a classe trabalhadora mundial. Os trabalhadores serão obrigados a suportar a fome e o desemprego enquanto fabricas e usinas estarão paradas e vazias com a desculpa da crise de seus patrões, cada vez mais amparados com planos bilionários pelo estado burguês. É impossível uma união dos estados capitalistas da Europa, pois seus interesses são antagônicos, e o capital irá socializar as perdas desta crise sobre todos os trabalhadores do mundo e certamente como em outros momentos da história presenciaremos a ação do imperialismo que fará guerras de rapina sobre as semi-colônias onde o proletariado verá a burguesia semi-colonial e seus fantoches incapazes de dar mínima saída aos seus problemas mais básicos.

Tomemos o exemplo dos operários das fábricas ocupadas da argentina, como na fábrica de Zanon, onde os trabalhadores expulsaram a direção burguesa e tomaram o controle da produção para suas próprias mãos, exigindo a abertura dos livros de conta da empresa e expropriação total e sem indenização por parte do estado.

O capitalismo é um sistema em decomposição, uma sociedade dividida entre trabalhadores assalariados e proprietários capitalistas. O motoboy escorrega sua vida todos os dias entre os carros, a doméstica se esmaga no coletivo, perdem o tempo em que deveriam estar com sua família para não ter seu salário descontado, pagam impostos em troca da visão de seus familiares no chão do hospital sem leito; recebem do Estado apenas as tropas dentro do caveirão na porta de sua casa, tudo para garantir que o candidato chegue seguro no pleito. Para garantir sua bonança, nos inundam com a esperança da vida da capa da revista e do capítulo último da próxima novela, com um sonho de satisfação que nunca vai existir.

A crise dos capitalistas começou agora, mas a crise do trabalhador sempre existiu, o capitalista tem ao seu favor sua propriedade, o poder do Estado, e a disposição de todos os parlamentares para solucionar seu problema, aos trabalhadores só resta sua própria força, para garantir que a crise não seja solucionada, como todas as outras, às suas custas. O capitalismo não vai mais, que governem os trabalhadores!





Desatai o Futuro nº01

O Triunfo de Obama
A nova tentativa de amenizar a decadência do imperialismo norte-americano
Simone Ishibashi

A arrasadora vitória de Obama nas eleições norte-americanas tem sido definida como um fato histórico ao eleger o primeiro presidente negro dos EUA. O candidato democrata Barack Hussein Obama, superou os índices de votação previstos, com 354 votos dos colégios eleitorais, contra 126 do candidato John McCain, levando estados que historicamente votam no Partido Republicano, como é o caso da Flórida, a se pronunciar em seu favor, além de também ter ganho em estados industriais como Ohio, mostrando haver conseguido apoio também na classe operária sindicalizada. Obama contou ainda com a esperada votação da população negra, dentre os quais 95% se pronunciaram por ele, e da votação dos jovens e da comunidade hispânica, que se contagiou pelo seu discurso de “mudança”, muito embora não tenha concretizado o que serão as prometidas mudanças. Isso num pleito cuja participação bateu recordes, com cerca de 136 milhões de eleitores, tendo em vista que nos EUA a participação nas eleições não é obrigatória. Para alguns, esta seria a maior participação desde 1908, quanto houve participação de 65,7% e culminou na vitória de Willian Traft sobre Willian Jannings Bryan. Fato é que Obama já conquistou o resultado eleitoral mais alto desde a eleição de Lydon Johnson em 1964.
Para além dos números, e da apologia que tomou conta dos meios de comunicação e jornais burgueses mundo afora, o que está por trás da vitória arrasadora de Obama é o repúdio generalizado à política levada à frente nos últimos oito anos pelos neoconservadores comandados por Bush, e o anseio por mudança expressado em diversas camadas da população norte-americana. O desastre da guerra do Iraque, o aumento sem precedentes do anti-americanismo no mundo, e a crise econômica, hoje o fator mais importante de todos, motivaram este anseio dentre os setores populares, muitos dos quais compostos por negros e latinos. Mas não foi apenas graças a estes que Obama conseguiu a vitória. Sua candidatura foi angariando apoio em setores concentrados da burguesia imperialista, dentre os quais constavam figuras como o magnata Warren Buffet, que cedeu grandes somas à sua campanha, bancos como Merry Linch – um dos envolvidos na imensa crise econômica atual –, instituições financeiras e grandes apostadores de Wall Street, bancos suíços, Collin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central. E é para estes que seguramente Obama governará, e não para os americanos que a cada momento conhecem mais de perto a possibilidade de serem lançados em massa na pobreza, tal como ocorreu em 1929, como indicam os números de mais 240 mil postos de trabalho cortados no mês de outubro. É este cenário que faz com que muitos analistas, a despeito da comoção alimentada pela mídia burguesa, já adiantem que esta será uma das presidências de mais crise na história dos EUA.

Obama: forma e conteúdo
O grande efeito simbólico vindo do fato de que hoje um negro é presidente do país mais importante do mundo tem tido repercussão mundial. Assim, vimos o Quênia decretando feriado nacional, enquanto no Brasil diversos setores do movimento negro afirmam que a vitória de Obama seria um “passo a mais galgado” na luta contra o racismo. Sobretudo por se tratar de um país em que há poucas décadas o racismo era institucionalizado, negando direitos elementares aos negros, como os de votar, ocupar os mesmos espaços públicos que os brancos, além das imensas disparidades de condições de vida entre brancos e negros, com os últimos recebendo menos que a metade do salário que os brancos recebem para realizar o mesmo trabalho, o que gerou na década de 60 um movimento pela igualdade de direitos para os negros norte-americanos.
Entretanto, se por um lado o fato da população norte-americana, dentre os quais muitos foram às urnas pela primeira vez, ter se pronunciado em favor de um candidato negro ser um giro alimentado por aspirações legítimas distorcidas, e também contra a onda conservadora republicana, do ponto de vista da burguesia que o apoiou é uma mostra da imensa crise pela qual passa o imperialismo norte-americano, agudizada pelos anos Bush. É dessa forma, que frente à deslegitimidade e crescente crise que os EUA se vêem inseridos não só externamente como também no plano interno, antes por conta dos efeitos da guerra do Iraque e agora pela crise econômica que corroí a cada dia a esperança de realização do “sonho americano”, que a burguesia imperialista vê como funcional a eleição de Obama, justamente pelo simbolismo que este carrega, ao qual se alia o fato de que de conteúdo trata-se de um político afim aos setores mais altos do stablishment do Partido Democrata e de posições mais que moderadas. Isso fazia de Obama o melhor candidato para lidar com as possíveis contradições geradas pela crise econômica, com o descontentamento em torno dos preocupantes índices econômicos, e para reconstituir a localização dos EUA no mundo.
A política de Obama seguirá favorecendo a mesma burguesia branca e seus planos imperialistas, ainda que possa se caracterizar sob a forma de um discurso mais conciliador. Não à toa, Obama buscou se distanciar de seu pastor Jeremiah Wrigt quando este denunciava o caráter racista dos EUA, provando que ao contrário de chamar a população negra a lutar por seus direitos, buscará um caminho que privilegie a “moderação” no trato às imensas contradições sociais que cruzam o país, política funcional à classe dominante. No plano econômico isso se demonstra no fato de que frente ao imenso crescimento do desemprego, Obama apoiou o pacote desenhado pelo governo Bush de destinar 700 bilhões de dólares para salvar o sistema financeiro e os banqueiros, favorecendo os que lucraram bilhões nos últimos anos. Esta soma supera enormemente os 50 bilhões prometidos por ele em sus campanha para financiar um plano de obras públicas e incentivos à população na forma de bônus para os que estão ameaçados de perder suas casas frente ao estouro da bolha imobiliária. Seu discurso durante a campanha, que indicava medidas como o alívio fiscal para a classe média, torna-se de difícil realização na medida em que o mundo caminha para a recessão, e os EUA acumulam uma dívida pública de mais de 1 trilhão de dólares.
Neste sentido é que o jornal burguês The Washington Post, tradicional apoiador dos republicanos que desta vez se pronunciou pelo democrata, em um editorial no dia seguinte às eleições aconselhava Obama a “dizer muito rapidamente como irá concretizar as muitas promessas feitas na campanha, que agora deve se encerrar e dar lugar à realidade. E que para isso será necessário preparar o povo norte-americano para fazer sacrifícios, ter paciência e até mesmo se frustrar um pouco”. A preocupação do Post é altamente justificada. Se Obama foi favorecido enormemente pelo receio dos feitos da crise econômica, que fizeram com que a maioria da população norte-americana aspirasse a mais proteção social, manutenção dos empregos, assistência médica, e ajuda para a manutenção das moradias, etc, por outro lado a garantia da resolução da crise e assistência social estão longe de ser realidade. Assim, não se pode descartar que as grandes ilusões e expectativas geradas pelo primeiro presidente negro na história dos EUA se transformem em seu contrário: numa grande desilusão frente à não resolução das aspirações e demandas dos trabalhadores, negros e setores populares frente à crise econômica. Isso se soma ao fato de que mesmo com as imensas contradições e desastres abertos após os anos Bush, McCain teve cerca de 55 milhões de votos, o que mostra que a polarização social segue aberta, podendo se dinamizar ainda mais com o avanço da crise econômica sobre a classe média, e o discurso ultra-racista de alguns setores que seguem se organizando no interior dos EUA, desatando prováveis enfrentamentos frente à perspectiva de aumento do desemprego e das contradições sociais no país, lembrando ainda que os reacionários projetos anti-imigração, apoiados tanto pelo Partido Democrata como pelo Republicano seguem em prática.

Contradições no plano internacional

A vitória de Obama é um novo capítulo da tentativa da burguesia imperialista de amenizar os ritmos do processo de decadência histórica dos EUA. A primeira resposta tentada foi a política de impor pela força “um novo século norte-americano”, concretizada pelo governo Bush sobre a base do giro reacionário pós-11 de Setembro. Entretanto, esta tentativa de transformar o “momento unipolar” pós-derrocada da URSS em uma “situação unipolar” a partir do uso da força foi um fracasso em toda linha. Prova disso é a erosão relativa do poder norte-americano sobre o mundo, que mais recentemente se demonstrou com a crise gerada em torno do conflito entre a Rússia e Geórgia, no qual os EUA não conseguiram atuar em defesa de seu aliado georgiano, e muito menos conseguir atrair o apoio das demais potências imperialistas européias contra a Rússia.
Assim, Bush e os neoconservadores deixam como legado a guerra do Iraque, que muitos analistas avaliam que será lembrada como um erro muito maior que a guerra do Vietnã, e agora a maior crise econômica desde 1929. Se a fórmula dialética entre força e consenso na dominação imperialista definida por Perry Anderson mostrou nos últimos anos a predominância da força, agora frente à debilidade dos EUA que isso aprofundou parece que a burguesia imperialista aposta em aparecer como buscando mais consenso, ainda que neste caso não possamos ver em que medida isso se concretizará.
Soma-se a isso também a definição de que política terá em relação ao Irã, e à Israel já que sua declaração de estar disposto à negociar com o primeiro entra em contradição ao apoio incondicional ao enclave sionista no Oriente Médio. O novo presidente também já disse reiteradas vezes que pretende fortalecer a ocupação militar no Afeganistão e posicionar tropas na fronteira com o Paquistão, além de fortalecer o acordo político, estratégico e militar com o enclave imperialista no Oriente Médio, Israel, declarando em diversas ocasiões que “os inimigos de Israel são inimigos dos EUA”. Isso significa que a matança e opressão sistemática dos palestinos seguirá sendo financiada pelo governo norte-americano, além da manutenção de grande parte do imenso montante de dinheiro destinada às ofensivas militares dos EUA.
Frente a isso, setores minoritários mas interessantes não pronunciaram apoio a Obama, como Medea Benjamin, dirigente do grupo norte-americano feminista anti-guerra Code Pink, que afirma: “No início achei que estava sendo muito legal ter um candidato como Obama, que havia votado contra a Guerra do Iraque e estava mobilizando os jovens para participar da política. Mas ele se mostrou um candidato igual aos outros. Minhas desilusões começaram quando ele começou a mostrar um discurso militar muito mais forte. Hoje em dia já não acho que ele vai trazer os soldados de volta, que fará isso em um cronograma de 16 meses, como sempre disse. Ele fala do Afeganistão como guerra boa. O que é uma guerra boa? Ele defendia negociar com seus inimigos, mas agora é leve nessa questão”. (Folha de São Paulo, 04/11/2008). Outros setores poderão seguir a mesma trilha de desilusão com Obama no próximo período.
Esta tese se fortalece ainda mais conforme Obama anuncia os prováveis nomes para a composição de seu governo, que indicam que ao contrário da retórica de campanha, privilegiará a “velha política” do establishment norte-americano, não apenas com os já esperados conselheiros provenientes do governo Clinton, como John Podesta conhecido como Rhambo por sua maneira de fazer política, mas também com republicanos como que Robert Gates, cotado para fazer parte da equipe de defesa nacional de Obama, e que anteriormente foi diretor da CIA e Secretário de Defesa de ninguém menos que...Bush. Assim, como coloca artigo da folhaonline inspirado no jornal norte-americano New York Times (8/11/2008): “A escolha destes nomes pode indicar que Obama, árduo crítico das políticas "falidas" de Bush, governará como ele na área de segurança nacional. Levanta dúvidas também se ele manterá uma das principais promessas de sua campanha, levar as tropas americanas no Iraque de volta para casa em até 16 meses. Outro legado de Bush a Obama será um novo acordo de permanência das tropas americanas no país, assinado diretamente com o governo iraquiano”.
Por outro lado, a apologética saudação dos principais governantes mundiais, como Sarkoy na Alemanha, Merkel na França, e dos meios de comunicação burgueses internacionais, como a mensagem de um renomado jornal alemão que estampou uma foto de Obama na capa sob os dizeres “Lidere o mundo rumo uma situação melhor”, mostra a contradição marcante de que frente à decadência histórica do imperialismo norte-americano, não há outra alternativa que se postule ao cargo de potência hegemônica. Entretanto é provável que esta saudação calorosa por parte dos governos imperialistas europeus dê lugar a maiores tensões no plano internacional, à medida em que a crise econômica avança, e se recrudesça a competição interestatal. Estamos diante um cenário de incertezas, cuja vitória de Obama não fecha por si mesma. A gravidade da crise econômica, que nas palavras de Alan Greespan é a “crise do século” anunciam terremotos que a retórica não pode solucionar, e demandas cada vez mais urgentes dos trabalhadores, negros e imigrantes de todo o mundo que só serão resolvidas no marco da ação independente destes mesmos setores. Apostemos nesta que é a única solução realista frente à crise atual.

Rumo a um novo New Deal?
Uma das grandes provas à qual a administração Obama estará submetia será a política que definirá para fazer frente à profunda recessão que já se instalou nos EUA. Basta recordar que as três grandes automotrizes, Chrysler, General Motors e Ford, os ícones do capitalismo norte-americano, estão em sérios problemas, e que as duas últimas reportaram perdas bilionárias – 4,2 e 2,9 bilhões de dólares respectivamente só no último trimestre. Obama está evitando atuar como o novo presidente dos Estados Unidos, esperando que sejam Bush e o Congresso – que também se renova – aqueles que tomem algumas das medidas necessárias. Como parte desta estratégia, Obama não irá na próxima reunião do G20 que se realizará em 15 de novembro.
Na conferência de imprensa do dia 7 de novembro, no mesmo dia em que se publicaram os dados do desemprego, Obama defendeu a necessidade de implementar um programa de estímulo fiscal para ajudar a reativar a economia, estender o seguro desemprego, que os trabalhadores desempregados recebem só por seis meses, baixar os impostos aos lares de menos recursos e votar um pacote de ajuda estatal para as três automotrizes, o que ele confirmou a Bush na reunião de transição que tiveram no último dia 10. Até o momento a política econômica de Obama, além de apoiar o Plano Paulson para o resgate dos banqueiros, foi muito moderada e tendo prometido cerca de 60 bilhões de dólares divididos entre obras públicas e ajuda social.
Os partidários de um novo New Deal consideram que esta política é insuficiente para enfrentar a crise. Por exemplo, o prêmio nobel de economia Paul Krugman calcula que o pacote de estímulo deveria ser ao menos 4% do PIB, isto é, cerca de 600 bilhões de dólares. Uma coluna do jornal New York Times aconselha Obama a ter “audácia” no gasto público. Comparando a situação atual com a da Grande Depressão, este economista conclui que ainda que seja certo que o New Deal fracassou em tirar a economia da depressão, isso se deveu à excessiva “prudência” de Roosevelt e aconselha Obama a “calcular quanta ajuda crê que a economia precisa, e somar mais uns 50%” dado que “é muito melhor numa economia deprimida, errar por excesso de estímulo e não por escassez”.
Deixando de lado o fato de que Obama receberá a presidência com uma monumental dívida estatal, acrescida pelo resgate aos bancos, o que torna ao menos difícil esta “política audaz”, é preciso dizer que a Roosevelt não faltou “audácia” no investimento estatal. Isso ficou claro quando ante o fracasso do New Deal deu um giro para a indústria de guerra, com o enorme investimento estatal que este implicou, o que finalmente tirou a economia norte-americana da depressão, e depois da guerra garantiu décadas de hegemonia norte-americana no mundo capitalista. Isto é, que o New Deal foi o primeiro passo em uma série de políticas para resguardar os interesses da burguesia imperialista norte-americana. A grande lição que surge do New Deal é que os representantes políticos da burguesia defendem interesses de classe que são antagônicos com os dos trabalhadores e as minorias oprimidas, e que sem tocar a grande propriedade capitalista e o enorme poder das corporações (como o fez Roosevelt com a propriedade das “60 famílias” que eram donas dos EUA), o capitalismo levará cedo ou tarde a novas catástrofes.




ENTREVISTA COM MARA ONIJÁ
"Sem racismo não existe capitalismo"O Jornal Palavra Operária entrevista nesta edição Mara Onijá, dirigente da LER-QI e militante do Hip Hop e do movimento negro.

JPO: O principal fato da política internacional desde a semana passada tem sido a eleição de Barack Obama nos EUA...
Mara: Sem dúvida, a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos é um fato histórico. Em meio a maior crise capitalista desde a crise desencadeada pelo crack de 29, o perfil e o discurso de Obama convenceram milhões de estado-unidenses a depositar nele suas esperanças de mudança e resolução da crise. É um acontecimento de grande magnitude a eleição de um candidato negro num país que é ainda o principal imperialismo mundial e que, além disso, é um país que há poucas décadas vivia sob a segregação racial. E vale lembrar que Obama se tornou um fenômeno internacional, que tem despertado esperanças no mundo inteiro. Os anos de unilateralismo de George Bush, onde tem destaque a sua guerra no Iraque, provocou internamente um alto índice de desaprovação desse governo, além de um amplo sentimento anti-Bush internacionalmente. Acredito que esse foi também um fator da situação que possibilitou que Obama conquistasse tamanho apoio das massas.
E qual pode ser o papel de Obama para o povo negro nos Estados Unidos?
Quando falei que as massas estão depositando suas esperanças em Obama, com certeza tem um destaque imenso as esperanças depositadas pelos negros, que representam cerca de 13% da população. Não é um fato qualquer que 95% dos negros votaram em Obama. Nos Estados Unidos, apesar de a segregação racial ter acabado – depois de muita luta e muito sangue negro, é importante dizer – a maioria da população negra ainda vive uma realidade muito distinta da população branca e o racismo sobrevive não só como ideologia. Por trás das políticas de ações afirmativas adotadas há algumas décadas, persistem políticas brutalmente racistas por parte do Estado. Afinal, o que significou o Katrina, que atingiu a população negra que não tinha como sair da cidade, enquanto os brancos puderam se salvar? O que significou a Guarda Nacional apontando armas e ameaçando matar os negros que não saíssem de suas casas depois do furacão? O que dizer da especulação imobiliária e do festejo por parte dos turistas em New Orleans festejando meses depois que a cidade estava menos negra? Pegando um episódio como esse, já podemos ver que o discurso que faz Obama é incoerente com a realidade. Em nenhum momento ele se colocou na perspectiva de combater o racismo, porque em suas palavras está na hora de os Estados Unidos se livrar de suas “velhas feridas raciais”. Durante a campanha eleitoral, quando o pastor Jeremiah A. Wrigth Jr., referencial religioso de Obama há muitos anos, declarou que o governo é assassino e corrupto e protestou contra o racismo, Obama prontamente abafou as polêmicas palavras de Jeremiah, com um discurso que ficou conhecido como “pós-racial”. Mas ainda que Obama tivesse um discurso em alguma medida de combate ao racismo em seu país, não poderia fazer isso de fato porque ele está mesmo é comprometido, como eu já disse, com a burguesia imperialista branca, e ao mesmo tempo por isso mesmo não pode ter um discurso mais voltado para a luta anti-racismo porque isso significaria inflamar milhões de negros oprimidos não só nos Estados Unidos mas no mundo todo a se levantar contra a situação de opressão secular a que estamos submetidos. Agora, é preciso dizer uma coisa: por mais moderado que seja Obama, o fato de passar a ocupar nada menos que a cadeira da Casa Branca, poderá fazer sim com que negros e negras reacendam muito mais a ânsia por acabar de fato com o racismo. E se isso acontecer, vai estar colocada uma grande contradição, porque Obama fará de tudo para apaziguar tal situação – se será capaz disso ou não, só o futuro poderá dizer.
Algumas personalidades, como Jesse Jackson, disseram que a eleição de Obama realizaria o sonho de Martin Luther King...
Olha, o discurso de Martin Luther King de 1963 tem um significado profundo pelo momento histórico em que foi declarado. A mobilização de centenas de milhares homens e mulheres negras lutando para acabar com o racismo abalou as estruturas, obrigou que a burguesia e o Estado fizessem concessões que não teriam feito se o combate não fosse muito duro. O discurso tem o mérito de expressar esse momento e denunciar os séculos de opressão, humilhação e violência sofrida pelos negros naquele país. Mas eu preciso dizer que o sonho de Martin Luther King era que os negros pudessem se integrar à democracia e isso eu considero utópico. Tanto que o que a burguesia branca e o governo fizeram foi criar políticas que garantissem que alguns negros acendessem a importantes cargos – Obama e Condollezza Rice são expressões dessa política, que agora passa a ser ainda mais vangloriada pela maioria do movimento negro no Brasil. Mas isso não impediu que a maioria da população negra nos Estados Unidos permanecesse relegada às piores condições de vida. Na verdade, figuras como essas têm cumprido o papel de legitimar a opressão e o massacre de povos negros em vários lugares do mundo. Condollezza Rice é braço direito dos Estados Unidos na defesa de ocupações como a do Haiti ou de vários países africanos. E Obama não vai ser diferente porque essas ocupações estão dentro das políticas que eles chamam de “multilaterais”, aprovadas pela ONU. E esses massacres, onde as mulheres negras seguem sendo violentadas, estupradas pelos soldados, fazem parte dessa “democracia”, cabem nela “perfeitamente”. Nos últimos dias, li coisas de ativistas negros brasileiros glorificando a democracia dos Estados Unidos, dizendo que o Brasil tem que seguir esse exemplo. Não tenho dúvida que o fato de o nosso país, mesmo tendo a segunda maior população negra do mundo, nunca ter tido um presidente negro, é mais uma demonstração do racismo que aqui impera. Mas a ilusão é pensar que um presidente negro, por ser negro, vai governar pelos negros. Para falar só do caso de uma semi-colônia como o Haiti, o atual presidente, Rene Preval, é negro e está a serviço de manter as tropas no país e promover uma industrialização baseada em trabalho semi-escravo, explorado pelas transnacionais. Mas voltando aos Estados Unidos, ainda que eu compartilhe com Martin Luther King a indignação contra uma história de imensas brutalidades promovidas pelo racismo, não compartilho dessa ilusão de que a democracia – que é burguesa e branca – possa libertar o nosso povo. Eu estou mais com Malcolm X, quando dizia que “sem racismo não existe capitalismo” e concluo, portanto, que a luta anti-racista precisa ser também anti-imperialista e anti-capitalista.
Indo nesse sentido, como pensar então a luta contra a opressão racial hoje?
Ao mesmo tempo que eu faço coro com Malcolm X nessa frase e acredito que no capitalismo nunca vamos alcançar a libertação total do nosso povo, penso que a luta contra o racismo precisava se dar desde já sem tréguas. E aí entra uma questão importante que é saber quem são os aliados e os inimigos do povo negro. Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito importante que a luta dos negros esteja ligada aos trabalhadores em geral e aos imigrantes. Se a luta anti-racismo não se dá no marco de combate à burguesia e às suas instituições como o Estado, o caminho vai resultar numa grande farsa em que a maioria dos nossos irmãos vão continuar explorados e oprimidos. Com o ascenso de Obama, cresce a ilusão de que cada negro individualmente deve destinar seus esforços para também ascender a cargos do poder burguês. E como eu já disse, isso não significa que o conjunto dos negros tenham garantidas as mínimas condições de vida, não só falando de Estados Unidos, mas agora ampliando a visão para a situação dos negros no mundo todo: na África no Brasil, na América Central, os imigrantes na Europa... Nesse marco que eu digo que temos que levantar um programa sério em defesa do povo negro, como exigir a retirada das tropas imperialistas do Haiti (onde o exército brasileiro faz o seviço sujo para o imperialistol) e de países africanos como Sudão e Costa do Marfim, assim como pela auto-determinação desses povos. Pela unidade dos trabalhadores nativos e imigrantes nos países da Europa e nos Estados Unidos para lutar contra a xenofobia e a perseguição aos imigrantes. Por salários e direitos iguais entre nativos e imigrantes, entre brancos e negros; e punição às empresas que praticam racismo (diferenciação de salários, não contratação de trabalhadores negros, etc.). No Brasil, temos uma questão crucial que é a violência urbana. Não podemos aceitar que a polícia continue exterminando os negros nas periferias e favelas do país. Temos que nos organizar para dizer "basta de extermínio do nosso povo e da nossa juventude".

Desatai o Futuro nº 01

Wells: a técnica que engendra sua própria crítica
Marina, estudante de ciências sociais da PUC-SP e militante da APP

Orson Wells tinha apenas 25 anos na data do lançamento de Cidadão Kane em 1941. Este período é marcado pelo prelúdio do que viriam a ser os anos áureos do capitalismo. O fordismo estava à toda nos Estados Unidos e a grande imprensa fervilhava como formadora de opiniões, com suas tiragens que alcançavam cifras exponenciais, promovendo e destruindo vidas, moldando o status quo de uma classe dominante, em uma sociedade cujo poder aquisitivo permitia consideravelmente o consumo das classes subalternas e a acumulação daqueles poucos que possuíam os recursos e a capacidade de administrá-lo. Isso implica em extrair o máximo de mais-valia do trabalho reificado, às custas da exploração cada vez mais latente da classe operária e de uma hierarquização na distribuição dos salários, em uma indústria balizada na produção em série, na esteira de montagem, onde cada movimento do trabalhador passa a ser ditado pelos ponteiros de um cronômetro.

A produção em série vai além dos muros da fábrica: os ponteiros do cronômetro marcam o passo da reprodução da vida mesma. Se bem o boom do pós-guerra, a relativa bonança deflagrada pelo avanço econômico e a consolidação dos Estados Unidos enquanto potência hegemônica mundial permite aos trabalhadores desse país a diminuição da jornada de trabalho, esse tempo livre é preenchido pela exaltação do consumo. Nesse contexto, as manifestações artísticas passam a ser cada vez mais absorvidas pela indústria cultural e se convertem em mercadorias. Isso ocorre com o cinema, que se converte – em grande medida, mas não em absoluto – em interlocutor da ideologia dominante. Trata-se, em última instância, do panis et circus do capitalismo. É utilizado como apaziguador das massas. Porém a sua contradição reside no fato de o cinema abrir brechas para o uso da crítica. No clássico de Wells, trata-se de uma crítica ao processo midiático mesmo. A técnica é empregada em sua própria crítica. Isso, por si só, justificaria a consagração de Cidadão Kane como um grande clássico do cinema. Mas ele vai além...

A abertura do filme, em preto e branco, é simbolizada por grades e portões. Aparece o castelo magistral: um castelo antigo, com um semblante que se remete à arquitetura gótica, com gárgulas que ostentam um universo onírico e fantasmagórico. Há um jogo de sombras e de luz que deixam no ar uma atmosfera de mistério. Eis o colapso do grande mito, que falece agarrado a uma bola de vidro, com suas últimas palavras: “Rosebud”. Aqui jaz o grande personagem mitificado: Charles Foster Kane. O mistério de suas últimas palavras torna-se uma missão para os jornalistas.

Seu obituário é manchete em todos os jornais. Jornalistas de toda a imprensa se debruçam sobre a retrospectiva de sua “vida exemplar”. É a imagem do grande burguês, daquele que com o seu árduo trabalho, alcançou o topo da pirâmide capitalista. Sua vida pública se torna notícia: um cidadão modelo do American Way Of Life. Suas palavras encontram ressonância em todos os recursos midiáticos: “I am an American. Always been an American”
[1].

Sua retrospectiva inicia em sua infância: a imagem de uma criança brincando na neve com o seu trenó, em um cenário semelhante ao da bola de vidro do momento de sua morte. Ele vivia uma infância simples e livre até o grande divisor de águas, que é a sua separação da família em decorrência de uma herança milionária. Ele é fadado a seguir o seu destino promissor, jamais seria o que ele era.

O inverno de 1929 é um inverno frio, marcado por uma crise econômica sem precedentes. Suas palavras se destoam com grande hipocrisia nas headlines dos jornais: “Se eu não tivesse me tornado tão rico, eu teria me tornado um grande homem”. E esse “não tão grande homem” se enobrece pelo trabalho. O que a mídia se “esquece” de falar é que não foi por seu próprio trabalho, mas pelo de outrém, que a duras penas construíram o seu império. Mas este império não lhes pertence; pertence a Charles Foster Kane. Ele também é “trabalhador”: trabalha dia e noite incessantemente administrando e contabilizando os seus lucros, manipulados pela intensificação da exploração do trabalho e por sua habilidade nos joguetes midiáticos. O ideário da modernidade é marcado pela inovação: o moderno que substitui o velho e o obsoleto, sendo este último encarnado no personagem do antigo Sr. Carter. Os artefatos ilustrativos dessa nova era se afiguram na transparência do vidro e no outdoor de uma vitrine, onde estão impressos os índices extraordinários de circulação, com um porta-retratos que realça a figura do protagonista no centro da cena.

Seu casamento com Emily se remete ao esfriamento de uma relação ao longo de anos. “ele não tinha amor para dar” – desabafa. Sua vida é marcada pela solidão do individualismo vigorante nos valores de sua classe social, que ressaltam o lucro e a acumulação em detrimento de uma vida livre e autônoma, e ao mesmo tempo roubam todo o brilho e autonomia de milhares de pessoas que trabalham para ele.

Em sua busca pela juventude, encontra uma moça que a despeito de sua fama, não o reconhece. Ele se apaixona. Nesse momento, paralelamente, sua carreira política inicia sobre os holofotes que destacam a imagem de um “amigo dos trabalhadores”, o único capaz de dar ouvidos aos protestos dos pobres. Protestos estes, que apareciam como resposta à quebra da bolsa de 1929, em que uma crise sem precedentes decai sobre as costas da classe trabalhadora, que é lançada abruptamente na fatalidade da fome e da miséria. Está aí a sua oportunidade de inaugurar sua carreira política. Com a propriedade dos principais veículos formadores de opinião, Kane busca se construir como o grande salvador da pátria. Porém ele fala do povo como se este o pertencesse. Mas o seu caso extraconjugal sela o término de seu casamento e de sua carreira política.

A moça pela qual ele se apaixonara é subitamente transformada em musa. Ele constrói a cantora. Ele é uma verdadeira “fábrica de talentos”. A “arte” passa por uma ressignificação: ela não está mais no artista, mas na produção, no espetáculo, na fabricação de talentos. A musa é identificada por quem tem a legitimidade para definir quem estará no centro dos holofotes.

A relação que ele estabelece com seus funcionários é fria, distante, utilitária – uma relação de poder. Ele tem que se defrontar constantemente com críticos e intrigas da oposição, como ocorre com Sr. Leland, que acaba perdendo o seu emprego por criticar a sua bela amada pela sua (evidente, ainda que não óbvia) falta de talento. Para a amada Alexandra, “tudo foi idéia dele”. O contraponto está nas críticas, tal como pretendia Sr. Leland, que oferecia resistência em um primeiro momento. Mas quem dita as regras é o Sr. Kane, que disciplina aqueles que o contrariam e faz com que prime o clamor pela cantora.

A próxima cena ilustra o tédio do ostensivo palácio. A jovem moça que vê sua juventude substituída por gigantescos quebra-cabeças, fadada ao ócio e a solidão de um palácio gelado. A preocupação com a opinião pública é uma constante na vida do protagonista. A decepção de perder um amor suscita opiniões negativas, e deixam nas entrelinhas uma preocupação que nada tinha a ver com o amor, mas com o simples fato de perder. Os antigos amigos de Kane apresentam um aspecto decadente, pessoas que eventualmente foram descartadas. Alexandra, por exemplo, perdeu todo o seu dinheiro e sucesso. O Sr. Leland estava internado.

A próxima cena retrata o momento sublime, em que o protagonista revela sua vulnerabilidade. No reflexo de seu rosto no espelho, nota-se que escorrem lágrimas em seus olhos, e sua boca pronuncia o enigma: “Rosebud”. Dentre os objetos e utensílios de seu palácio, em meio a estátuas e quebra-cabeças de seu excêntrico universo palaciano, o quebra-cabeças termina inconcluso para os jornalistas. Falta uma peça. Quiçá a crucial.

Mas Orson Wells o revela para o espectador em sua cena final: a palavra aparece inscrita em seu antigo trenó à revelia de um nostálgico clamor pelos tempos em que ainda era autêntico.
[1].

[1] “Eu sou um americano. Sempre fui um americano”