sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Um negro no comando do imperialismo decadente

Por Mara Onijá

Explosão da bolha imobiliária, quebra de bancos, recessão, níveis de desemprego subindo assustadoramente. Reprovação do ex-governo Bush por 80% da população, marcado por uma guerra que colocou os Estados Unidos num atoleiro, expressando a decadência da maior potência imperialista do mundo.
Foi neste cenário que emergiu Barack Obama, não apenas como a esperança para a população dos Estados Unidos, mas demonstrando-se também como um ícone internacional. Ao longo de sua campanha, Obama buscou se diferenciar, propagando as promessas de retirada das tropas do Iraque, o fechamento da prisão de Guantánamo, e outras medidas mais. Mas é principalmente a expectativa de que Obama consiga dar uma resposta à crise econômica – através de uma suposta ação “mais responsável” por parte do Estado – que move milhões de pessoas em apoio ao novo presidente dos Estados Unidos.
Sem dúvida, a comunidade negra dos Estados Unidos – e de muitos outros países, como o Brasil – comemorou a vitória de Barack Obama. Entre os negros, os votos para o democrata foram quase absolutos. Entre o público presente em Washington no dia 20 de janeiro, eram muitos os negros que se emocionaram e choraram ouvindo as palavras de Obama e as canções de Aretha Franklin.
Não é mesmo um fato qualquer: há cerca de quarenta anos atrás, os pais ou avós dessas mesmas pessoas viviam submetidos à segregação racial que se manifestava nos bancos de ônibus, nos restaurantes, nas escolas, nas empresas. Até os dias de hoje, apesar de ações afirmativas de porte considerável por parte do Estado, como política para amenizar o conflito racial latente, terem formado uma espécie de classe média negra, as condições de vida da maior parte da população negra ainda estão marcadas por uma história de opressão. Não são necessários muitos exemplos. Basta lembrar do Katrina em New Orleans há poucos anos atrás: enquanto os brancos saíram da cidade antes do furacão, os negros permaneceram ali por dias esperando socorro, e quando a Guarda Nacional chegou, seu papel foi de reprimir os moradores, fazendo com que saíssem de suas casas com armas apontadas para suas cabeças. Outra demonstração de como o racismo persiste na sociedade estadounidense está na gritante disparidade de renda: em 2004, a renda de uma família negra equivalia a 58% da renda de uma família branca. Hoje, nos marcos de uma crise histórica do capitalismo, a burguesia não demora em atacar os trabalhadores, começando pelos terceirizados e precarizados – onde os negros ocupam grande parte dos postos de trabalho. A equiparação dos salários de homens e mulheres, medida anunciada nos primeiros dias de governo, não atinge os setores precarizados, que além de destituídos dos mais elementares direitos, são agora os primeiros nomes nas listas de demissões.
O discurso de Obama, proclamando a união acima das raças e religiões, ao contrário de ser uma declaração que afirme a necessidade de que o povo negro se organize e lute contra o racismo, está na verdade baseada na concepção que expressou em sua campanha de que os Estados Unidos devem deixar para trás as velhas marcas do passado. Como um verdadeiro defensor da ordem capitalista, Obama não pode escancarar a realidade em que vive o povo negro. Por isso, durante a campanha, ele rompeu sua relação de anos com o pastor Jeremiah Wright, por este ter declarado que os negros deveriam julgar os Estados Unidos por suas injustiças raciais.
Obama é hoje o maior símbolo da possibilidade de que os negros podem ascender ao poder. Condollezza Rice, talvez o maior ícone nesse sentido antes da aparição de Obama como candidato à presidência, ajuda a ilustrar o papel que cumprem aqueles que Solano Trindade chamava em sua poesia de “negros senhores na América”: tornam-se algozes do seu próprio povo e dos povos oprimidos no mundo. Assim foi Rice, comandando a ofensiva no Iraque.
Mas Obama traz consigo mudanças, dirão muitos. Sem dúvida, a política de Obama não é a mesma unilateral adotada por Bush ao longo dos últimos anos. Muita coisa mudou nos últimos meses e a resposta que Obama precisa dar é justamente como retomar a força de seu país como principal potência, o que exige uma relocalização na arena internacional, que seu discurso “cooperativista” simboliza. “Nós estamos prontos para liderar mais uma vez”. Essas foram suas palavras no dia 20. E “liderar mais uma vez” significa liderar um mundo capitalista em crise, que para se recuperar jogará sobre as costas dos trabalhadores e dos povos oprimidos as mais brutais violências. Afeganistão e Paquistão seguem na lista de Obama. A ocupação do Haiti pelas tropas da ONU, que já dura quatro anos após o golpe orquestrado pelos Estados Unidos, vai permanecer, e Obama nem pensa em mudar isso. O imperialismo não deixará de ser imperialismo, não deixará de ser opressor pelo fato de contar com um homem negro em sua linha de frente.
Se por um lado a eleição de Obama proporcionou que os negros aumentassem as expectativas por um mundo onde não mais exista racismo, por outro lado, a crise capitalista e as saídas que os imperialismos buscarão significam o aprofundamento da opressão e exploração daqueles que há séculos constroem riquezas e vivem subjugados, primeiro sob o colonialismo e hoje sob o imperialismo. Não resta outra saída para nós, negros e negras de todo o mundo: Malcolm X já havia dito que “sem racismo não existe capitalismo”. Um negro que ocupa o posto de mais alto poder no mundo, em defesa da sobrevivência do imperialismo, não poderá nunca combater de fato o racismo. Esta tarefa deve estar nas mãos dos milhões de negros numa luta anti-imperialista e anti-capitalista.

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