sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Desatai o Futuro nº01

Por que desatar o futuro?
Por Pedro Fassoni Arruda- Profº do Departamento de Política da PUC-SP e Felipe Campos- estudante de Ciências Sociais da Puc-SP e militante do Movimento A Plenos Pulmões.

"Quanto menos se comer, beber, comprar livros, for ao teatro ou a bailes, ou ao botequim, e quanto menos se pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar, esgrimir etc., tanto mais se poderá economizar e maior se tornará o tesouro imune à ferrugem e às traças – o capital" (Marx, Manuscritos econômicos e filosóficos).
Nicolau Maquiavel afirmou, numa conhecida passagem d'O Príncipe, que a política possui a sua própria moral – e esta é distinta da moral que rege as relações de amizade ou familiares (afinal, se um príncipe for ofendido e oferecer a outra face, certamente irá à ruína...). Contra a idéia de predestinação, o pensador florentino procurou resgatar a dignidade humana, reconhecendo que os homens são os senhores do seu próprio destino, e que a política é o único instrumento de transformação da realidade: nenhuma prece substitui a ação prática (os políticos podem não conseguir um lugar no Paraíso, mas a recusa em participar da política só pode nos levar ao pior de todos os infernos!). Da mesma forma, Marx se esforçou em compreender a relação entre economia e moral: o processo tautológico de acumulação de capital – um valor que valoriza a si mesmo – segue sua marcha inexorável, independentemente da consciência que os indivíduos possuam; trata-se de leis objetivas que independem da vontade dos próprios burgueses, aqui entendidos como "personificações do capital".
"A antítese entre Moral e Economia Política é em si mesma apenas aparente; há uma antítese e igualmente não há antítese. A Economia Política exprime à sua própria maneira as leis morais" (Marx, Manuscritos...).
A "sociedade dos produtores de mercadorias" (assentada na alienação dos trabalhadores, diante das condições objetivas da produção), com sua lógica da reprodução ampliada, faz abstração das necessidades humanas mais elementares, já que o valor de uso subordina-se ao valor de troca. Sabemos muito bem que a superprodução de alimentos pode coexistir com a fome de bilhões de seres humanos; afinal, o excedente nunca existe em relação à satisfação das necessidades do estômago, e sim em relação à capacidade de consumo em sua forma especificamente capitalista.
Ora, que perspectiva de emancipação o capitalismo pode oferecer à humanidade?
O capitalismo, nos últimos cem anos, só contribuiu para congelar a história, emperrando até mesmo o avanço do progresso, contendo o espraiamento do bem-estar para as classes-que-vivem-do-trabalho. Não se trata do fim da história, como pretendem seus apologistas bem-remunerados, mas de amarrá-la aos imperativos da ordem burguesa, impedindo a sua própria superação.
Se o capitalismo pudesse descrever a si mesmo, e ainda fosse honesto e sincero o bastante, talvez o fizesse nos seguintes termos:
"Na infância, fui mina de carvão, locomotiva a vapor, tear mecânico, concorrência e propriedade sem liberdade. Hoje sou monopólio, ameaça nuclear, congestionamento, poluição, capital fictício e total irracionalidade. Assim como no passado, tenho dificuldades de lidar com a democracia, ainda que formal. Nasci na Inglaterra, no final do século XVIII, das entranhas da sociedade feudal. Expulsei camponeses das terras, anexei territórios, subjuguei povos ditos incivilizados e tudo o que era sólido desmanchei no ar. Sou bárbaro e também reacionário, mas já fui progressista e consegui fazer as pessoas acreditarem nas minhas promessas. As três coisas que mais gosto são: acumular, acumular e acumular. O resto é revolução, lutas de classes e emancipação, mas tenho à disposição todo o aparelho repressivo do Estado para fazer valer a minha vontade de burguês. Sou o responsável pelas guerras, pela exploração e pela alienação social, política e econômica. Alguns me chamam de capitalismo, mas o sobrenome é o mesmo dos meus antepassados: selvagem. Apesar de tudo, tenho consciência de que assim como eu nem sempre existi, um dia vou desaparecer. Marx, Engels e Lênin afirmaram que eu encerro a pré-história da humanidade, mas tenho o condão de criar as condições objetivas para a minha própria superação. Estou morrendo, agonizando, e não me resta outra opção a não ser apelar para a reação, pois a classe trabalhadora já não consegue suportar o ônus dessa jornada. Pra falar a verdade, estou muito velho pra me sustentar, então que venha o novo. Não tenha medo dele...
Sim, desatar o futuro. Quem exige tal superação é o próprio estado de coisas: trata-se de uma necessidade histórica, objetiva. Mas a sua concretização depende da educação revolucionária, da vontade de lutar e da afirmação deste projeto através da força, da união e do trabalho coletivo.
O capitalismo não caíra por si só, será preciso derruba-lo.
A magnitude da crise que assola hoje as economias capitalistas do mundo confirma isso. Era evidente a impossibilidade de estender o padrão de consumo de uma família estadunidense para os restantes 06 bilhões da população planeta. O estabelecimento desse padrão de consumo só era mantido pelos créditos fáceis, com os quais através dos juros faziam a felicidade dos capitalistas(...) Agora os mesmos capitalistas que especulavam e com o suor dos trabalhadores conseguiam seus lucros, veem-se obrigados a redistribuir seus prejuízos nas costas do povo. Enquanto várias famílias norte-americanas não conseguem mais pagar as suas hipotecas e vão morar nos seus carros, trabalhadores começam a ser demitidos em todo o mundo, os governos burgueses injetam trilhões de dólares para salvar as imobiliárias e bancos da falência.
O desenvolvimento das forças produtivas cria as condições objetivas para a superação desta base miserável, em que se encontram os trabalhadores e trabalhadoras do mundo. Este desenvolvimento poderia ser ainda maior mediante abolição da propriedade privada dos meios de produção, e o controle racional num governo dos produtores livremente associados. O imperialismo, que aboliu a "livre concorrência", substituindo-a pelo poder incontrastável dos trustes e cartéis monopolistas, fez desaparecer a "chama vivificadora da concorrência", como Marx prognosticara no Capital, e Lênin constatara quando escreveu seu conhecido esboço popular, O imperialismo fase superior do capitalismo. A possibilidade objetiva de deter o próprio progresso técnico tornou-se realidade, razão pela qual Lênin sentiu a necessidade de ... Desatar o futuro. Infelizmente, a história não se desenvolve linearmente, e a burocratização do sistema soviético, depois do alijamento dos melhores quadros da revolução, acorrentou novamente os trabalhadores. Estes caíram em grilhões ainda mais pesados, feitos de ferro maciço forjado por operários, cujas jornadas no interior das smokestack industries ("fábricas de chaminé") eram tão extenuantes como em qualquer sociedade capitalista. É preciso recuperar a esperança de construir um mundo melhor, através da experiência da história e do conhecimento do atual estado de coisas...
Não há capitalismo organizado. As únicas coisas que ele é capaz de organizar são a exploração, a disciplina dentro dos muros da fábrica e seus aparelhos repressivos, como a polícia e o exército. Sequer a produção de mercadorias (submetida à anarquia do mercado) e a partilha do butim podem ser organizadas. Também os capitalistas matam uns aos outros. Quem pretender "humanizar a face do capitalismo" mediante reformas esbarrará em limites objetivos.
O capital não tem pátria. O Estado nacional, contraditoriamente, organiza a dominação de classe através do seu "comitê executivo", que administra os interesses comuns das frações burguesas. Nem pátria nem patrão, mas não há como acabar o poder sem antes tomá-lo de assalto.

Então, como desatar o futuro? Sejamos realistas, só pediremos o que for possível, conforme um "programa mínimo":
Nas fábricas: desatar o nó da gravata dos chefes e gerentes (meros cães-de-guarda da classe patronal), substituindo os "colarinhos brancos" e outros símbolos de poder – e o próprio poder – pela cooperação. Abolir os cargos burocráticos não-ligados à atividade diretamente produtiva. Eliminar os parasitas, ou seja, os proprietários e seus lacaios que formam a aristocracia operária. Ocupação, autogestão, conselhos de fábricas, abolição da divisão do trabalho, isonomia entre homens e mulheres, reduzir as jornadas de trabalho ao máximo para trabalhar todos e menos; submeter todo o processo produtivo ao controle racional dos trabalhadores, que regularão o metabolismo com a natureza com o menor emprego de força humana possível, como o mínimo desperdício e a maior eficiência. Usar o tempo livre de forma criativa: aprender a tocar um instrumento, viajar, dançar, amar, passear com a família e o cachorro, praticar esportes e estudar, discutir, deliberar, questionar, refletir;
A liberdade de cada um é a condição da liberdade de todos, em substituição da idéia burguesa de que "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro". Explosão de guaritas, colocar abaixo os muros de condomínios fechados, mudar nomes das ruas que homenageiam os patrões, milícia operária e popular em substituição da polícia burocratizada/militar/assassina/defensora da propriedade;
Nas escolas e universidades: desatar o conhecimento, expulsar a ignorância. Recriar o marxismo tirando-o das mãos dos liberais que esgotam suas ações revolucionárias. Voltar a produção de conhecimento aos trabalhadores torna-la pública de fato, expulsando os bancos, fundações e até mesmo a igreja que almejam impor as diretrizes do saber. Relação entre escola e empresa? Só se ambos estiverem sob controle dos produtores diretos. Ah, e já que pretendemos derrubar os muros que separam os países, acabar com as catracas nas universidades, sejam elas –as catracas – visíveis ou não. E não apenas levar a classe trabalhadora até a universidade, mas também levar a universidade até os trabalhadores; Desatar a Universidade para desatar a sociedade, não aceitar a formação que nos é imposta para dar continuidade a ordem sangrenta do capital, não ser o advogado que livra a cara das empreiteiras para não pagar direito e indenizações aos trabalhadores, sociólogos que teorizam em Ong´s a ilusão de um regime falido suavizando a exploração e opressão do povo pobre, historiadores que relatam a história do “branco vencedor” e do “negro derrotado”. Defender os trabalhadores nas suas lutas até as últimas circunstancias, denunciar para sociedade à ganância dos ricos que sustentam a miséria dos explorados. Defender o futuro próspero da humanidade sem idealismo, enfrentando aqueles que impedem que ele chegue!

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