sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Desatai o Futuro nº01

O Triunfo de Obama
A nova tentativa de amenizar a decadência do imperialismo norte-americano
Simone Ishibashi

A arrasadora vitória de Obama nas eleições norte-americanas tem sido definida como um fato histórico ao eleger o primeiro presidente negro dos EUA. O candidato democrata Barack Hussein Obama, superou os índices de votação previstos, com 354 votos dos colégios eleitorais, contra 126 do candidato John McCain, levando estados que historicamente votam no Partido Republicano, como é o caso da Flórida, a se pronunciar em seu favor, além de também ter ganho em estados industriais como Ohio, mostrando haver conseguido apoio também na classe operária sindicalizada. Obama contou ainda com a esperada votação da população negra, dentre os quais 95% se pronunciaram por ele, e da votação dos jovens e da comunidade hispânica, que se contagiou pelo seu discurso de “mudança”, muito embora não tenha concretizado o que serão as prometidas mudanças. Isso num pleito cuja participação bateu recordes, com cerca de 136 milhões de eleitores, tendo em vista que nos EUA a participação nas eleições não é obrigatória. Para alguns, esta seria a maior participação desde 1908, quanto houve participação de 65,7% e culminou na vitória de Willian Traft sobre Willian Jannings Bryan. Fato é que Obama já conquistou o resultado eleitoral mais alto desde a eleição de Lydon Johnson em 1964.
Para além dos números, e da apologia que tomou conta dos meios de comunicação e jornais burgueses mundo afora, o que está por trás da vitória arrasadora de Obama é o repúdio generalizado à política levada à frente nos últimos oito anos pelos neoconservadores comandados por Bush, e o anseio por mudança expressado em diversas camadas da população norte-americana. O desastre da guerra do Iraque, o aumento sem precedentes do anti-americanismo no mundo, e a crise econômica, hoje o fator mais importante de todos, motivaram este anseio dentre os setores populares, muitos dos quais compostos por negros e latinos. Mas não foi apenas graças a estes que Obama conseguiu a vitória. Sua candidatura foi angariando apoio em setores concentrados da burguesia imperialista, dentre os quais constavam figuras como o magnata Warren Buffet, que cedeu grandes somas à sua campanha, bancos como Merry Linch – um dos envolvidos na imensa crise econômica atual –, instituições financeiras e grandes apostadores de Wall Street, bancos suíços, Collin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central. E é para estes que seguramente Obama governará, e não para os americanos que a cada momento conhecem mais de perto a possibilidade de serem lançados em massa na pobreza, tal como ocorreu em 1929, como indicam os números de mais 240 mil postos de trabalho cortados no mês de outubro. É este cenário que faz com que muitos analistas, a despeito da comoção alimentada pela mídia burguesa, já adiantem que esta será uma das presidências de mais crise na história dos EUA.

Obama: forma e conteúdo
O grande efeito simbólico vindo do fato de que hoje um negro é presidente do país mais importante do mundo tem tido repercussão mundial. Assim, vimos o Quênia decretando feriado nacional, enquanto no Brasil diversos setores do movimento negro afirmam que a vitória de Obama seria um “passo a mais galgado” na luta contra o racismo. Sobretudo por se tratar de um país em que há poucas décadas o racismo era institucionalizado, negando direitos elementares aos negros, como os de votar, ocupar os mesmos espaços públicos que os brancos, além das imensas disparidades de condições de vida entre brancos e negros, com os últimos recebendo menos que a metade do salário que os brancos recebem para realizar o mesmo trabalho, o que gerou na década de 60 um movimento pela igualdade de direitos para os negros norte-americanos.
Entretanto, se por um lado o fato da população norte-americana, dentre os quais muitos foram às urnas pela primeira vez, ter se pronunciado em favor de um candidato negro ser um giro alimentado por aspirações legítimas distorcidas, e também contra a onda conservadora republicana, do ponto de vista da burguesia que o apoiou é uma mostra da imensa crise pela qual passa o imperialismo norte-americano, agudizada pelos anos Bush. É dessa forma, que frente à deslegitimidade e crescente crise que os EUA se vêem inseridos não só externamente como também no plano interno, antes por conta dos efeitos da guerra do Iraque e agora pela crise econômica que corroí a cada dia a esperança de realização do “sonho americano”, que a burguesia imperialista vê como funcional a eleição de Obama, justamente pelo simbolismo que este carrega, ao qual se alia o fato de que de conteúdo trata-se de um político afim aos setores mais altos do stablishment do Partido Democrata e de posições mais que moderadas. Isso fazia de Obama o melhor candidato para lidar com as possíveis contradições geradas pela crise econômica, com o descontentamento em torno dos preocupantes índices econômicos, e para reconstituir a localização dos EUA no mundo.
A política de Obama seguirá favorecendo a mesma burguesia branca e seus planos imperialistas, ainda que possa se caracterizar sob a forma de um discurso mais conciliador. Não à toa, Obama buscou se distanciar de seu pastor Jeremiah Wrigt quando este denunciava o caráter racista dos EUA, provando que ao contrário de chamar a população negra a lutar por seus direitos, buscará um caminho que privilegie a “moderação” no trato às imensas contradições sociais que cruzam o país, política funcional à classe dominante. No plano econômico isso se demonstra no fato de que frente ao imenso crescimento do desemprego, Obama apoiou o pacote desenhado pelo governo Bush de destinar 700 bilhões de dólares para salvar o sistema financeiro e os banqueiros, favorecendo os que lucraram bilhões nos últimos anos. Esta soma supera enormemente os 50 bilhões prometidos por ele em sus campanha para financiar um plano de obras públicas e incentivos à população na forma de bônus para os que estão ameaçados de perder suas casas frente ao estouro da bolha imobiliária. Seu discurso durante a campanha, que indicava medidas como o alívio fiscal para a classe média, torna-se de difícil realização na medida em que o mundo caminha para a recessão, e os EUA acumulam uma dívida pública de mais de 1 trilhão de dólares.
Neste sentido é que o jornal burguês The Washington Post, tradicional apoiador dos republicanos que desta vez se pronunciou pelo democrata, em um editorial no dia seguinte às eleições aconselhava Obama a “dizer muito rapidamente como irá concretizar as muitas promessas feitas na campanha, que agora deve se encerrar e dar lugar à realidade. E que para isso será necessário preparar o povo norte-americano para fazer sacrifícios, ter paciência e até mesmo se frustrar um pouco”. A preocupação do Post é altamente justificada. Se Obama foi favorecido enormemente pelo receio dos feitos da crise econômica, que fizeram com que a maioria da população norte-americana aspirasse a mais proteção social, manutenção dos empregos, assistência médica, e ajuda para a manutenção das moradias, etc, por outro lado a garantia da resolução da crise e assistência social estão longe de ser realidade. Assim, não se pode descartar que as grandes ilusões e expectativas geradas pelo primeiro presidente negro na história dos EUA se transformem em seu contrário: numa grande desilusão frente à não resolução das aspirações e demandas dos trabalhadores, negros e setores populares frente à crise econômica. Isso se soma ao fato de que mesmo com as imensas contradições e desastres abertos após os anos Bush, McCain teve cerca de 55 milhões de votos, o que mostra que a polarização social segue aberta, podendo se dinamizar ainda mais com o avanço da crise econômica sobre a classe média, e o discurso ultra-racista de alguns setores que seguem se organizando no interior dos EUA, desatando prováveis enfrentamentos frente à perspectiva de aumento do desemprego e das contradições sociais no país, lembrando ainda que os reacionários projetos anti-imigração, apoiados tanto pelo Partido Democrata como pelo Republicano seguem em prática.

Contradições no plano internacional

A vitória de Obama é um novo capítulo da tentativa da burguesia imperialista de amenizar os ritmos do processo de decadência histórica dos EUA. A primeira resposta tentada foi a política de impor pela força “um novo século norte-americano”, concretizada pelo governo Bush sobre a base do giro reacionário pós-11 de Setembro. Entretanto, esta tentativa de transformar o “momento unipolar” pós-derrocada da URSS em uma “situação unipolar” a partir do uso da força foi um fracasso em toda linha. Prova disso é a erosão relativa do poder norte-americano sobre o mundo, que mais recentemente se demonstrou com a crise gerada em torno do conflito entre a Rússia e Geórgia, no qual os EUA não conseguiram atuar em defesa de seu aliado georgiano, e muito menos conseguir atrair o apoio das demais potências imperialistas européias contra a Rússia.
Assim, Bush e os neoconservadores deixam como legado a guerra do Iraque, que muitos analistas avaliam que será lembrada como um erro muito maior que a guerra do Vietnã, e agora a maior crise econômica desde 1929. Se a fórmula dialética entre força e consenso na dominação imperialista definida por Perry Anderson mostrou nos últimos anos a predominância da força, agora frente à debilidade dos EUA que isso aprofundou parece que a burguesia imperialista aposta em aparecer como buscando mais consenso, ainda que neste caso não possamos ver em que medida isso se concretizará.
Soma-se a isso também a definição de que política terá em relação ao Irã, e à Israel já que sua declaração de estar disposto à negociar com o primeiro entra em contradição ao apoio incondicional ao enclave sionista no Oriente Médio. O novo presidente também já disse reiteradas vezes que pretende fortalecer a ocupação militar no Afeganistão e posicionar tropas na fronteira com o Paquistão, além de fortalecer o acordo político, estratégico e militar com o enclave imperialista no Oriente Médio, Israel, declarando em diversas ocasiões que “os inimigos de Israel são inimigos dos EUA”. Isso significa que a matança e opressão sistemática dos palestinos seguirá sendo financiada pelo governo norte-americano, além da manutenção de grande parte do imenso montante de dinheiro destinada às ofensivas militares dos EUA.
Frente a isso, setores minoritários mas interessantes não pronunciaram apoio a Obama, como Medea Benjamin, dirigente do grupo norte-americano feminista anti-guerra Code Pink, que afirma: “No início achei que estava sendo muito legal ter um candidato como Obama, que havia votado contra a Guerra do Iraque e estava mobilizando os jovens para participar da política. Mas ele se mostrou um candidato igual aos outros. Minhas desilusões começaram quando ele começou a mostrar um discurso militar muito mais forte. Hoje em dia já não acho que ele vai trazer os soldados de volta, que fará isso em um cronograma de 16 meses, como sempre disse. Ele fala do Afeganistão como guerra boa. O que é uma guerra boa? Ele defendia negociar com seus inimigos, mas agora é leve nessa questão”. (Folha de São Paulo, 04/11/2008). Outros setores poderão seguir a mesma trilha de desilusão com Obama no próximo período.
Esta tese se fortalece ainda mais conforme Obama anuncia os prováveis nomes para a composição de seu governo, que indicam que ao contrário da retórica de campanha, privilegiará a “velha política” do establishment norte-americano, não apenas com os já esperados conselheiros provenientes do governo Clinton, como John Podesta conhecido como Rhambo por sua maneira de fazer política, mas também com republicanos como que Robert Gates, cotado para fazer parte da equipe de defesa nacional de Obama, e que anteriormente foi diretor da CIA e Secretário de Defesa de ninguém menos que...Bush. Assim, como coloca artigo da folhaonline inspirado no jornal norte-americano New York Times (8/11/2008): “A escolha destes nomes pode indicar que Obama, árduo crítico das políticas "falidas" de Bush, governará como ele na área de segurança nacional. Levanta dúvidas também se ele manterá uma das principais promessas de sua campanha, levar as tropas americanas no Iraque de volta para casa em até 16 meses. Outro legado de Bush a Obama será um novo acordo de permanência das tropas americanas no país, assinado diretamente com o governo iraquiano”.
Por outro lado, a apologética saudação dos principais governantes mundiais, como Sarkoy na Alemanha, Merkel na França, e dos meios de comunicação burgueses internacionais, como a mensagem de um renomado jornal alemão que estampou uma foto de Obama na capa sob os dizeres “Lidere o mundo rumo uma situação melhor”, mostra a contradição marcante de que frente à decadência histórica do imperialismo norte-americano, não há outra alternativa que se postule ao cargo de potência hegemônica. Entretanto é provável que esta saudação calorosa por parte dos governos imperialistas europeus dê lugar a maiores tensões no plano internacional, à medida em que a crise econômica avança, e se recrudesça a competição interestatal. Estamos diante um cenário de incertezas, cuja vitória de Obama não fecha por si mesma. A gravidade da crise econômica, que nas palavras de Alan Greespan é a “crise do século” anunciam terremotos que a retórica não pode solucionar, e demandas cada vez mais urgentes dos trabalhadores, negros e imigrantes de todo o mundo que só serão resolvidas no marco da ação independente destes mesmos setores. Apostemos nesta que é a única solução realista frente à crise atual.

Rumo a um novo New Deal?
Uma das grandes provas à qual a administração Obama estará submetia será a política que definirá para fazer frente à profunda recessão que já se instalou nos EUA. Basta recordar que as três grandes automotrizes, Chrysler, General Motors e Ford, os ícones do capitalismo norte-americano, estão em sérios problemas, e que as duas últimas reportaram perdas bilionárias – 4,2 e 2,9 bilhões de dólares respectivamente só no último trimestre. Obama está evitando atuar como o novo presidente dos Estados Unidos, esperando que sejam Bush e o Congresso – que também se renova – aqueles que tomem algumas das medidas necessárias. Como parte desta estratégia, Obama não irá na próxima reunião do G20 que se realizará em 15 de novembro.
Na conferência de imprensa do dia 7 de novembro, no mesmo dia em que se publicaram os dados do desemprego, Obama defendeu a necessidade de implementar um programa de estímulo fiscal para ajudar a reativar a economia, estender o seguro desemprego, que os trabalhadores desempregados recebem só por seis meses, baixar os impostos aos lares de menos recursos e votar um pacote de ajuda estatal para as três automotrizes, o que ele confirmou a Bush na reunião de transição que tiveram no último dia 10. Até o momento a política econômica de Obama, além de apoiar o Plano Paulson para o resgate dos banqueiros, foi muito moderada e tendo prometido cerca de 60 bilhões de dólares divididos entre obras públicas e ajuda social.
Os partidários de um novo New Deal consideram que esta política é insuficiente para enfrentar a crise. Por exemplo, o prêmio nobel de economia Paul Krugman calcula que o pacote de estímulo deveria ser ao menos 4% do PIB, isto é, cerca de 600 bilhões de dólares. Uma coluna do jornal New York Times aconselha Obama a ter “audácia” no gasto público. Comparando a situação atual com a da Grande Depressão, este economista conclui que ainda que seja certo que o New Deal fracassou em tirar a economia da depressão, isso se deveu à excessiva “prudência” de Roosevelt e aconselha Obama a “calcular quanta ajuda crê que a economia precisa, e somar mais uns 50%” dado que “é muito melhor numa economia deprimida, errar por excesso de estímulo e não por escassez”.
Deixando de lado o fato de que Obama receberá a presidência com uma monumental dívida estatal, acrescida pelo resgate aos bancos, o que torna ao menos difícil esta “política audaz”, é preciso dizer que a Roosevelt não faltou “audácia” no investimento estatal. Isso ficou claro quando ante o fracasso do New Deal deu um giro para a indústria de guerra, com o enorme investimento estatal que este implicou, o que finalmente tirou a economia norte-americana da depressão, e depois da guerra garantiu décadas de hegemonia norte-americana no mundo capitalista. Isto é, que o New Deal foi o primeiro passo em uma série de políticas para resguardar os interesses da burguesia imperialista norte-americana. A grande lição que surge do New Deal é que os representantes políticos da burguesia defendem interesses de classe que são antagônicos com os dos trabalhadores e as minorias oprimidas, e que sem tocar a grande propriedade capitalista e o enorme poder das corporações (como o fez Roosevelt com a propriedade das “60 famílias” que eram donas dos EUA), o capitalismo levará cedo ou tarde a novas catástrofes.




ENTREVISTA COM MARA ONIJÁ
"Sem racismo não existe capitalismo"O Jornal Palavra Operária entrevista nesta edição Mara Onijá, dirigente da LER-QI e militante do Hip Hop e do movimento negro.

JPO: O principal fato da política internacional desde a semana passada tem sido a eleição de Barack Obama nos EUA...
Mara: Sem dúvida, a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos é um fato histórico. Em meio a maior crise capitalista desde a crise desencadeada pelo crack de 29, o perfil e o discurso de Obama convenceram milhões de estado-unidenses a depositar nele suas esperanças de mudança e resolução da crise. É um acontecimento de grande magnitude a eleição de um candidato negro num país que é ainda o principal imperialismo mundial e que, além disso, é um país que há poucas décadas vivia sob a segregação racial. E vale lembrar que Obama se tornou um fenômeno internacional, que tem despertado esperanças no mundo inteiro. Os anos de unilateralismo de George Bush, onde tem destaque a sua guerra no Iraque, provocou internamente um alto índice de desaprovação desse governo, além de um amplo sentimento anti-Bush internacionalmente. Acredito que esse foi também um fator da situação que possibilitou que Obama conquistasse tamanho apoio das massas.
E qual pode ser o papel de Obama para o povo negro nos Estados Unidos?
Quando falei que as massas estão depositando suas esperanças em Obama, com certeza tem um destaque imenso as esperanças depositadas pelos negros, que representam cerca de 13% da população. Não é um fato qualquer que 95% dos negros votaram em Obama. Nos Estados Unidos, apesar de a segregação racial ter acabado – depois de muita luta e muito sangue negro, é importante dizer – a maioria da população negra ainda vive uma realidade muito distinta da população branca e o racismo sobrevive não só como ideologia. Por trás das políticas de ações afirmativas adotadas há algumas décadas, persistem políticas brutalmente racistas por parte do Estado. Afinal, o que significou o Katrina, que atingiu a população negra que não tinha como sair da cidade, enquanto os brancos puderam se salvar? O que significou a Guarda Nacional apontando armas e ameaçando matar os negros que não saíssem de suas casas depois do furacão? O que dizer da especulação imobiliária e do festejo por parte dos turistas em New Orleans festejando meses depois que a cidade estava menos negra? Pegando um episódio como esse, já podemos ver que o discurso que faz Obama é incoerente com a realidade. Em nenhum momento ele se colocou na perspectiva de combater o racismo, porque em suas palavras está na hora de os Estados Unidos se livrar de suas “velhas feridas raciais”. Durante a campanha eleitoral, quando o pastor Jeremiah A. Wrigth Jr., referencial religioso de Obama há muitos anos, declarou que o governo é assassino e corrupto e protestou contra o racismo, Obama prontamente abafou as polêmicas palavras de Jeremiah, com um discurso que ficou conhecido como “pós-racial”. Mas ainda que Obama tivesse um discurso em alguma medida de combate ao racismo em seu país, não poderia fazer isso de fato porque ele está mesmo é comprometido, como eu já disse, com a burguesia imperialista branca, e ao mesmo tempo por isso mesmo não pode ter um discurso mais voltado para a luta anti-racismo porque isso significaria inflamar milhões de negros oprimidos não só nos Estados Unidos mas no mundo todo a se levantar contra a situação de opressão secular a que estamos submetidos. Agora, é preciso dizer uma coisa: por mais moderado que seja Obama, o fato de passar a ocupar nada menos que a cadeira da Casa Branca, poderá fazer sim com que negros e negras reacendam muito mais a ânsia por acabar de fato com o racismo. E se isso acontecer, vai estar colocada uma grande contradição, porque Obama fará de tudo para apaziguar tal situação – se será capaz disso ou não, só o futuro poderá dizer.
Algumas personalidades, como Jesse Jackson, disseram que a eleição de Obama realizaria o sonho de Martin Luther King...
Olha, o discurso de Martin Luther King de 1963 tem um significado profundo pelo momento histórico em que foi declarado. A mobilização de centenas de milhares homens e mulheres negras lutando para acabar com o racismo abalou as estruturas, obrigou que a burguesia e o Estado fizessem concessões que não teriam feito se o combate não fosse muito duro. O discurso tem o mérito de expressar esse momento e denunciar os séculos de opressão, humilhação e violência sofrida pelos negros naquele país. Mas eu preciso dizer que o sonho de Martin Luther King era que os negros pudessem se integrar à democracia e isso eu considero utópico. Tanto que o que a burguesia branca e o governo fizeram foi criar políticas que garantissem que alguns negros acendessem a importantes cargos – Obama e Condollezza Rice são expressões dessa política, que agora passa a ser ainda mais vangloriada pela maioria do movimento negro no Brasil. Mas isso não impediu que a maioria da população negra nos Estados Unidos permanecesse relegada às piores condições de vida. Na verdade, figuras como essas têm cumprido o papel de legitimar a opressão e o massacre de povos negros em vários lugares do mundo. Condollezza Rice é braço direito dos Estados Unidos na defesa de ocupações como a do Haiti ou de vários países africanos. E Obama não vai ser diferente porque essas ocupações estão dentro das políticas que eles chamam de “multilaterais”, aprovadas pela ONU. E esses massacres, onde as mulheres negras seguem sendo violentadas, estupradas pelos soldados, fazem parte dessa “democracia”, cabem nela “perfeitamente”. Nos últimos dias, li coisas de ativistas negros brasileiros glorificando a democracia dos Estados Unidos, dizendo que o Brasil tem que seguir esse exemplo. Não tenho dúvida que o fato de o nosso país, mesmo tendo a segunda maior população negra do mundo, nunca ter tido um presidente negro, é mais uma demonstração do racismo que aqui impera. Mas a ilusão é pensar que um presidente negro, por ser negro, vai governar pelos negros. Para falar só do caso de uma semi-colônia como o Haiti, o atual presidente, Rene Preval, é negro e está a serviço de manter as tropas no país e promover uma industrialização baseada em trabalho semi-escravo, explorado pelas transnacionais. Mas voltando aos Estados Unidos, ainda que eu compartilhe com Martin Luther King a indignação contra uma história de imensas brutalidades promovidas pelo racismo, não compartilho dessa ilusão de que a democracia – que é burguesa e branca – possa libertar o nosso povo. Eu estou mais com Malcolm X, quando dizia que “sem racismo não existe capitalismo” e concluo, portanto, que a luta anti-racista precisa ser também anti-imperialista e anti-capitalista.
Indo nesse sentido, como pensar então a luta contra a opressão racial hoje?
Ao mesmo tempo que eu faço coro com Malcolm X nessa frase e acredito que no capitalismo nunca vamos alcançar a libertação total do nosso povo, penso que a luta contra o racismo precisava se dar desde já sem tréguas. E aí entra uma questão importante que é saber quem são os aliados e os inimigos do povo negro. Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito importante que a luta dos negros esteja ligada aos trabalhadores em geral e aos imigrantes. Se a luta anti-racismo não se dá no marco de combate à burguesia e às suas instituições como o Estado, o caminho vai resultar numa grande farsa em que a maioria dos nossos irmãos vão continuar explorados e oprimidos. Com o ascenso de Obama, cresce a ilusão de que cada negro individualmente deve destinar seus esforços para também ascender a cargos do poder burguês. E como eu já disse, isso não significa que o conjunto dos negros tenham garantidas as mínimas condições de vida, não só falando de Estados Unidos, mas agora ampliando a visão para a situação dos negros no mundo todo: na África no Brasil, na América Central, os imigrantes na Europa... Nesse marco que eu digo que temos que levantar um programa sério em defesa do povo negro, como exigir a retirada das tropas imperialistas do Haiti (onde o exército brasileiro faz o seviço sujo para o imperialistol) e de países africanos como Sudão e Costa do Marfim, assim como pela auto-determinação desses povos. Pela unidade dos trabalhadores nativos e imigrantes nos países da Europa e nos Estados Unidos para lutar contra a xenofobia e a perseguição aos imigrantes. Por salários e direitos iguais entre nativos e imigrantes, entre brancos e negros; e punição às empresas que praticam racismo (diferenciação de salários, não contratação de trabalhadores negros, etc.). No Brasil, temos uma questão crucial que é a violência urbana. Não podemos aceitar que a polícia continue exterminando os negros nas periferias e favelas do país. Temos que nos organizar para dizer "basta de extermínio do nosso povo e da nossa juventude".

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