sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Desatai o Futuro nº01

Para entender a crise capitalista através do marxismo
Thiago Graco

A crise capitalista corre o mundo. O socorro trilionário aos banqueiros não detém a queda das bolsas em todo o mundo que registram perdas diárias recorde, e a crise já abala as estruturas da economia. As montadoras e fábricas de automóveis anunciam férias coletivas e ameaçam demissões de operários – com gigantes como a GM anunciando a possibilidade de pedirem concordatas -, as lojas não vendem mais a prazo como antes e nem os bancos emprestam como antes. Instruída por uma política de estado a consumir tudo que o mundo produzia contraindo dívidas, a inadimplente classe média norte-americana hoje é forçada a residir em seus carros e o Estado norte-americano dá aos bancos credores 700 bilhões de dólares para que suas casas hipotecadas permaneçam vazias.

Na América Latina, o salário do trabalhador corroído pelo preço dos alimentos e o desemprego batendo na porta não é mais novidade, e o preço do dólar sobe. No Brasil, no momento em que os bancários faziam greve, as grandes agro-exportadoras e latifundiários ainda perseguem o homem do campo que morre de cansaço na colheita da cana, ou nos fornos de carvão sob trabalho escravo recentemente noticiados. Mas o Banco Central anunciou: um remédio para a crise de 128,3 bilhões de reais para os agro-exportadores e banqueiros, garantias do governo Lula! A seca creditícia faz os burgueses correrem para a bolsa de valores com medo que seus financiadores estrangeiros tirem seus dólares de suas empresas, para salvar os bancos nos EUA e Europa. Segundo o governo, há ainda 73 bilhões para o mesmo fim. A disposição nunca foi tão grande por parte dos políticos para reverter a crise... dos capitalistas.

A sociedade capitalista consome toda a nossa vida, nossa felicidade, é um desperdício irracional dos recursos naturais, em função da felicidade e do luxo de um grupo de parasitas. Um sistema que empurra toda a sociedade constantemente para as crises sociais e econômicas e guerras ao longo da história, assim como esta crise mundial que vemos se aprofundando cada vez mais nas notícias dos jornais. Uma sociedade como essa não merece nada mais do que a morte, para que dela surja uma nova.

Como ocorrem as crises no capitalismo

A lei da queda tendencial da taxa de lucro

No capitalismo toda a produção dos bens úteis está em função de fazer do processo de produção e venda um processo rentável. O que movimenta o capitalista a investir é a “taxa de lucro” que irá realizar depois de fazer um investimento. Se investe no total R$1000 e recebe em troca R$1500, tem então uma “taxa de lucro” de 50%. Se a taxa de lucro sobe, significa que é um ótimo investimento e outros capitalistas irão concorrer investindo no mesmo negócio. A grande contradição estrutural do capitalismo é que justamente o esforço conjunto de investimento na produção por maior rentabilidade, torna a taxa de lucro cada vez menor em todos os tipos de investimento até um limite insustentável, e a economia como um todo pára.

O capital investido se divide em duas partes: o que é investido em salários, e o que é investido em máquinas, matéria-prima, tecnologia, infra-estrutura etc. Os custos de produção com máquinas, matéria-prima, tecnologia sempre têm que ser reinvestido para manter o processo de produção. As máquinas não trabalham sozinhas, é sobre o trabalho não pago extraído do trabalhador que o capitalista tira seu lucro, a chamada mais-valia. Se paga mais salário ao trabalhador, lucra menos, se paga menos salário lucra mais. Assim, a taxa de lucro define-se pelo montante de mais-valia, ou seja trabalho não pago do qual o capitalista se apropria, sobre a soma do capital constante (aquele empregado em meios de produção), mais capital variável (ou seja, força de trabalho, portanto salário).

Diferentemente do que ensinam os economistas clássicos, para os marxistas o lucro do capitalista não vem da oferta e procura das mercadorias, mas do produto do trabalho não remunerado. Tudo que nos circunda (roupas, comida, móveis, veículos, prédios etc.) é obra dos trabalhadores, que transformam a natureza a partir do seu trabalho, que no capitalismo adquirem valor. Ao criarmos com nosso trabalho as mercadorias, adicionamos a elas o que custa a nossa existência, o que consumimos para viver, somos fonte de valor e adicionamos valor aos produtos. O lucro do capitalista existe na proporção que ele vende o valor de nosso trabalho e nos retorna apenas parte disso como salário. As máquinas e infra-estrutura são obras do trabalho humano, mas não produzem valor, apenas tornam, por sua vez, o trabalho humano mais rápido e eficaz. Quando trabalhamos com equipamento e tecnologia avançada, dividimos o custo de nossa força de trabalho na maior quantidade de mercadoria ou serviços que produzimos, barateando os produtos que produzidos em maior quantidade. Isso faz o capitalista substituir muitos trabalhadores por menos trabalhadores equipados com máquinas, inundando o mercado com utensílios baratos, até que sua produtividade seja alcançada pela concorrência da mesma forma. Essa reação em cadeia faz que a proporção de capital investido nas máquinas seja maior do que o capital investido em trabalhadores, diminuindo a fonte do trabalho não pago que o capitalista pode extrair, levando a taxa de lucro a cair. Dá-se, desta forma, o que Karl Marx chamou de lei da queda tendencial da taxa de lucro.

Por isso uma via dos capitalistas manterem sua taxa de lucro é atacar as condições de vida do trabalhador, reduzindo o salário e aumentando a jornada de trabalho para nos explorar o máximo possível, o que só pode ser impedido pela ação dos trabalhadores na luta de classes.

Mesmo assim, reduzindo a sobrevivência do trabalhador à miséria, o aumento de produtividade encontra seu limite. O mundo é finito e os mercados também, a grande parte dos consumidores são os próprios trabalhadores, que tendo sua condição de vida atacada pela contração dos salários e desemprego crescente, deixam de ser consumidores em potencial, levando à contração do poder de consumo dos mercados existentes.

Temos então uma crise de superprodução, a mercadoria não é vendida, o processo de investimento não se realiza e não tem mais lucratividade, e para o capitalista perde sua função, empresas com total capacidade de produzir fecham as portas e uma massa de desempregados impedidos de trabalhar é relegada à fome. No capitalismo a produção não se movimenta pela necessidade humana, mas pela lucratividade do negócio.

Depois que a crise destrói capital acumulado, seja pela forma de fechamento massivo de empresas ou pela destruição física de meios de produção através de guerras imperialistas, o capital abre novas possibilidades de investimentos através da conquista dos novos mercados emergentes ou na reconstrução dos antigos mercados devastados, e recupera novamente a sua taxa de lucro. As quedas da taxa de lucro ou sua recuperação fecham ciclos de queda ou auge do capitalismo.

Os ciclos de crescimento e queda nos mostram a curva do desenvolvimento do capitalismo. As oscilações da conjuntura econômica (auge-depressão-crise) alimentam mudanças nos regimes políticos, nas relações entre os estados, acirram a diferença entre os imperialismos e as semi-colônias e o antagonismo entre capital e trabalho, ou seja, alimentam a luta de classes. Acompanhar estes ciclos é de fundamental importância.

As crises cíclicas e a curva do desenvolvimento capitalista

Crise cíclica e crise de padrão de crescimento
É necessário que tenhamos em mente que o capitalismo não se caracteriza pelo periódico surgimento dos ciclos de bonança e de depressão idênticas a si mesmas, pois se assim fosse a história seria um carrossel, uma repetição de ciclos que sobem e descem, mas que no final sempre terminariam restaurando o seu padrão anterior, tornando de fato imutável. A história se desenvolve de forma dinâmica e os ciclos econômicos comerciais, industriais ou financeiros podem se desenvolver de forma imensamente contraditória, como acontece neste exato momento.

Podemos dizer que desde a reconstrução do mundo destruído pela 2ª Guerra até o final dos anos 60 o capitalismo viveu um ciclo de prosperidade, onde se teve aumento da taxa de lucro com acúmulo de capital investido até um determinado limite. Já no final dos 60 até a metade dos anos 80, houve uma forte queda da taxa de lucro e crise capitalista, então a onda neoliberal – resposta da burguesia imperialista a este processo - que houve a partir de 1988 atacou os trabalhadores, se expandiu com a abertura dos ex-estados operários e recuperou sua taxa de lucro novamente. Porém, isso abriu um fenômeno qualitativamente distinto no crescimento do capitalismo, pois diferente dos padrões de crescimento anteriores não tivemos nas últimas duas décadas e meia uma concordância entre o aumento da taxa de lucro e o aumento da acumulação de capital investido. O que ocorre com o capitalismo hoje?

Dizemos que hoje não vivemos uma crise cíclica do capitalismo, mas sim uma crise de padrão de crescimento. Passamos por diversas crises cíclicas (auge-depressão-crise) durante toda uma curva de desenvolvimento capitalista que deveria ter se encerrado, mas que se prolongou de forma inédita através de meios artificiais. Desde a metade dos anos 80, a economia que crescia não se transformou em aumento da acumulação (forças produtivas, PIBs, e todas as atividades relacionadas aos setores chave da economia mundial) em relação à taxa de lucro dos capitalistas que se manteve em crescimento, diferente de todas as outras épocas e ciclos da história.

Um ataque brutal à classe operária durante o chamado “neoliberalismo” gerou de início um crescimento do nível da taxa de lucro através massas de trabalhadores desempregados e arrocho salarial que por sua vez impedia que a imensa quantidade de produtos fosse vendida, gerando mais desemprego e salários mais baixos. Neste momento os capitalistas encontraram investimentos lucrativos no crescimento do mercado financeiro, e não na produção aprimorada de novos bens. Foi então disponibilizado crédito com juros baixos para o consumo direto das famílias dos países imperialistas, em especial os EUA -que se tornou o maior devedor do mundo- e uma especulação financeira sobre o crédito emprestado para este consumo direto. Além disso se iniciou a especulação na sobre-acumulação de determinados nichos da economia que garantiam este consumo, em que fosse possível investir com alta lucratividade, como a China, as empresas “pontocom”, o mercado imobiliário, construção civil, e matérias-primas.

A presença do mercado financeiro e sua relação com a economia real

Gerou-se a partir daí uma alta de capital acumulado baseada na valorização virtual das ações do mercado financeiro, em especial as que estavam baseadas no endividamento da classe-média norte americana e nos nichos de produção, como as “commodities” e a economia chinesa. Este padrão de crescimento gerou um mercado financeiro hipertrofiado, seu valor representa hoje quatro vezes o valor de todo o PIB mundial.

O peso do mercado financeiro sempre existiu na economia imperialista. Quando uma empresa abre seu capital na bolsa de valores, todo seu patrimônio (dinheiro em caixa, lucratividade, prédios, bens etc.) é contabilizado em ações a fim de que qualquer um com dinheiro suficiente possa comprar uma porcentagem destas ações, “emprestando” dinheiro à empresa, e obtendo ao vender as ações uma diferença conforme esta empresa se valoriza. A questão é que o mercado de ações da bolsa de valores pode sofrer uma especulação, sendo aumentado ou diminuído o valor das ações através de meios artificiais. Diversos capitalistas encontraram no mercado de ações um refúgio para valorizar seu dinheiro infinitamente frente a uma economia que não permitia mais uma taxa de lucro satisfatória, o problema é que todas as ações não valorizam conforme o mundo real, mas são diretamente baseadas na economia real.

A queda na procura e nos preços ameaça o trabalhador com o desemprego em massa, O crédito fácil que mantinha o padrão de consumo se esgotou, o que coloca em xeque a posição dos EUA como consumidor em último caso de tudo que o mundo produz, repercutindo em uma freada na economia, principalmente da China, Japão e União Européia, esta que sofre com a falência de importantes bancos e anunciou uma injeção trilionária através de seus bancos estatais para retardar a crise no sistema bancário europeu. Os elos débeis europeus já mostram sinais de fraqueza, como a Finlândia onde já houve uma bancarrota financeira, e na Bélgica onde os trabalhadores colocaram de pé uma greve geral de 24h contra a carestia de vida.

No México a crise alimentícia provoca um novo processo de mobilização, e houve ainda a luta dos professores de Morelos relembrando a luta da Comuna de Oaxaca iniciada em 2006, enquanto uma greve de caminhoneiros no Chile paralisa parcialmente os transportes. Este é o momento dos comunistas por de pé partidos revolucionários em seus países, que confrontem diretamente a ação e ideologia do capital através de um programa que responda as necessidades das mais imediatas às mais profundas de toda a classe trabalhadora mundial. Os trabalhadores serão obrigados a suportar a fome e o desemprego enquanto fabricas e usinas estarão paradas e vazias com a desculpa da crise de seus patrões, cada vez mais amparados com planos bilionários pelo estado burguês. É impossível uma união dos estados capitalistas da Europa, pois seus interesses são antagônicos, e o capital irá socializar as perdas desta crise sobre todos os trabalhadores do mundo e certamente como em outros momentos da história presenciaremos a ação do imperialismo que fará guerras de rapina sobre as semi-colônias onde o proletariado verá a burguesia semi-colonial e seus fantoches incapazes de dar mínima saída aos seus problemas mais básicos.

Tomemos o exemplo dos operários das fábricas ocupadas da argentina, como na fábrica de Zanon, onde os trabalhadores expulsaram a direção burguesa e tomaram o controle da produção para suas próprias mãos, exigindo a abertura dos livros de conta da empresa e expropriação total e sem indenização por parte do estado.

O capitalismo é um sistema em decomposição, uma sociedade dividida entre trabalhadores assalariados e proprietários capitalistas. O motoboy escorrega sua vida todos os dias entre os carros, a doméstica se esmaga no coletivo, perdem o tempo em que deveriam estar com sua família para não ter seu salário descontado, pagam impostos em troca da visão de seus familiares no chão do hospital sem leito; recebem do Estado apenas as tropas dentro do caveirão na porta de sua casa, tudo para garantir que o candidato chegue seguro no pleito. Para garantir sua bonança, nos inundam com a esperança da vida da capa da revista e do capítulo último da próxima novela, com um sonho de satisfação que nunca vai existir.

A crise dos capitalistas começou agora, mas a crise do trabalhador sempre existiu, o capitalista tem ao seu favor sua propriedade, o poder do Estado, e a disposição de todos os parlamentares para solucionar seu problema, aos trabalhadores só resta sua própria força, para garantir que a crise não seja solucionada, como todas as outras, às suas custas. O capitalismo não vai mais, que governem os trabalhadores!





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