A luta pela democratização das universidade e o questionamento de seu caráter de classe
Esta é a primeira edição do boletim Desatai o Futuro após o fim da greve das universidades estaduais paulistas. Ressaltamos a importância desta greve por ter aprofundado a crise aberta desde 2007 em uma das principais universidades do país, que não está separada da crise universitária do Brasil que viemos discutindo em nossos materiais. A entrada da polícia na USP representou um salto nesse processo, que se expandiu para além da própria USP. A greve foi rapidamente respondida pela mídia paulista, e até nacional, que passou a pautar o debate acerca do poder nas universidades e a acusar os estudantes e trabalhadores de vândalos e elitistas, que recusavam a “ampliação do acesso” através do ensino à distância.
O controle das universidades brasileiras é marcado pela mais profunda concentração de poder. Nas universidades públicas, o grau de participação da comunidade universitária na definição dos rumos da universidade fica atrás das conquistas elementares da Revolução Francesa, que defendia “uma pessoa, um voto”; nas universidades estaduais paulistas, sequer há eleições diretas para o cargo de reitor.
Sua composição e organização, e a submissão servil às políticas dos governos e das empresas financiadoras das universidades, transformam as estruturas de poder, ao mesmo tempo, em lança, para os governos e capitalistas
atacarem a qualidade do ensino superior, e em escudo, para os poucos doutores e titulares docentes burocratas permanecerem no controle social, político, ideológico, financeiro e pedagógico das universidades. E, por permanecerem no seu controle, eles mantêm o funcionamento das estruturas de poder intacto e imutável, gerando uma teia imunda de trocas de favores e interesses, cada vez mais rígida, em um ciclo aparentemente inquebrável!
Essa burocracia corrupta não abrirá mão dos seus privilégios, status e poder facilmente. Frente a toda contestação da situação, e em apoio a seu projeto de aprofundamento dessa situação, a burocracia deixa claros sua intransigência e autoritarismo, e o grau de concentração em que pretende manter o poder, reagindo com as mais duras medidas de repressão, sob variadas formas - seja a de suspensões, assédios morais e perseguições, e até mesmo demissões políticas como a de Claudionor Brandão, dirigente do Sindicato de Trabalhadores da USP, entidade incessantemente perseguida; ou ancorada nos órgãos repressivos do estado, como a polícia militar.
A auto reforma proposta por poucos... para manter tudo como está
Frente à pressão criada pela mobilização, e procurando contê-la com pequenas concessões, setores da burocracia acadêmica abrem a possibilidade de fazer tímidas reformas no regime universitário para supostamente tirar o peso excessivamente aristocrático do atual regime universitário. A USP é o exemplo mais emblemático disso. Setores da burocracia acadêmica levantam a possibilidade de acabar com o segundo turno de eleições para reitor e/ou democratizar o primeiro turno. Significaria reformar um processo eleitoral que não deixaria de envolver somente uma casta de professores, cabendo a escolha final à figura do governador estadual. Esse tipo de mudança expressa, assim, a necessidade de manter a figura monárquica do reitor e o aristocrático conselho universitário.
A armadilha colocada ao movimento: eleições diretas X questionamento do poder universitário
Frente à concentração de poder, grande parte do movimento estudantil mantém seu programa no campo da modificação do processo de eleição do reitor, defendendo eleições diretas. Esta discussão vem, necessariamente, atrelada à de qual deve ser a proporção de representação de estudantes, funcionários e professores no processo eleitoral. As universidades federais já contam com eleições diretas e paritárias, com base no estabelecido pela LDB (Lei de Diretrizes de Bases, segundo a qual há 70% de representação para professores, 15% para estudantes e 15% para funcionários), e ainda assim se encontram sob governos tão conservadores quanto os das estaduais paulistas com uma reitora que responde às ordens do governador, quebrando a elementar autonomia universitária e respondendo a um conselho universitário que é o verdadeiro poder nas universidades. Na USP – ainda com as eleições direitas, permaneceria um conselho de 110 membros eleitos pelas costas da maioria de estudantes, trabalhadores e professores, que se ergue como representante os 120000 membros da comunidade universitária.
Como tentativa de questionar o aspecto antidemocrático deste projeto, outros setores do movimento propõem o voto direto com a paridade ponderada entre estudantes, funcionários e professores, tendo, cada setor, o mesmo peso na escolha. Esta proposta, à esquerda das eleições direitas, com cara de progressiva, esconde seu caráter também meritocrático, que iguala o peso do restrito número de professores ao da esmagadora maioria estudantil que mantêm a concepção de que apenas professores podem ser candidatos para os cargos administrativos. E assim, o movimento cai numa armadilha, entrando na discussão proposta pela burocracia acadêmica (dos meios para as eleições do reitor e de reformas no atual regime), deixando de realizar o questionamento profundo de toda a estrutura de poder universitária, com base na mobilização baseada fundamentalmente na aliança operária estudantil.
Por um governo tripartite com maioria estudantil
Os estudantes e trabalhadores tem que lutar por uma democracia radical baseada em uma pessoa um voto, impondo com a luta a derrubada do conselho aristocrático e um novo conselho diretivo que seja coletivo, um verdadeiro governo tripartite com maioria estudantil e elegendo sim pelo voto direto os diretores de carreira. Um novo conselho democrático que convoque uma assembléia estatuinte para debater que universidade queremos. Estudantes e trabalhadores podem superar a armadilha do programa de Diretas para reitor, apontando um programa realmente radical e democrático nas universidades. Trata-se tão somente de levar a todas as instâncias de poder e decisão da universidade os preceitos básicos da democracia direta e universal, de forma que reflitam a composição da própria comunidade universitária.
A democratização da universidade a serviço de questionar seu conteúdo de classe
A democratização do poder nas universidades brasileiras não pode ser discutida em si mesma. Para além da luta pelo direito de decidir sobre a política que norteia as atividades da própria comunidade universitária, essa discussão deve se orientar por uma reflexão a respeito do papel da universidade, e, nesse sentido, ser realizada visando sua transformação. O movimento de contestação que se ergue nas universidades não pode se deixar cair na armadilha de lutar pela democracia na universidade por si própria, ignorando a realidade em que a universidade se insere. O movimento estudantil precisa romper o corporativismo em que freqüentemente se vê preso, e buscar se aliar, inclusive em seus objetivos, com a maioria da população e da classe trabalhadora.
Tomando como exemplo o que fizeram os estudantes franceses no Maio de 1968, é preciso partir “do questionamento da universidade de classes ao questionamento da sociedade de classes”. Isso passa por uma luta pela apropriação do conhecimento produzido na universidade para que ele se destine ao atendimento das necessidades da maioria trabalhadora da população. Sob o controle direto das organizações empresariais, a universidade é orientada pelos imperativos do mercado, movido pela busca do lucro que não faz distinção de qualidade entre o desenvolvimento de cosméticos e a pesquisa de remédios. Apesar de extensa, essa luta começa já nas salas de aula, no combate cotidiano contra as teorias que visam a conservação do atual status quo.
Isso passa também pela luta pela democratização radical do acesso à universidade. Não se pode aceitar a concepção elitista de uma universidade para poucos, que nega, a partir de um corte de classe, à maioria da população o direito de estudar. É preciso, no entanto, ir além de uma repartição mais democrática do número ínfimo de vagas existentes no ensino superior público. Uma verdadeira democratização do acesso à universidade implica em uma aplicação radical do número de vagas, no fim do vestibular, para que todos que queiram possam estudar.
Apresentando um programa para a realização deste objetivo - em oposição ao ensino à distância defendido demagogicamente pelo governo como medida de ampliação do acesso – defendemos como programa para o movimento a estatização dos grandes grupos privados do ensino, verdadeiros monopólios controlados pelo capital estrangeiro imperialista que parte de seus interesses para definir as políticas de ensino no país, controlando hoje três em cada quatro vagas do ensino superior brasileiro,enquanto lucra milhões especulando nas bolsas com o valor das mensalidades cobradas. Aqui trata-se de partir das necessidades reais da maioria da população e da defesa intransigente de um direito de todos.
É preciso, no entanto, que levantemos também um programa imediato que garanta à parcela majoritária dos estudantes universitários, alunos de universidades privadas, a continuidade de seus estudos, especialmente frente à dimensão dos cortes de postos de trabalho, demissões e reduções salariais com que os capitalistas respondem a sua crise. É preciso que nós, estudantes de universidades públicas e privadas, nos unamos para conquistar a anistia da dívida de todos os estudantes que já não conseguem pagar as mensalidades exorbitantes que lhes são cobradas, a redução radical dessas mensalidades e o preenchimento através de bolsas integrais de todas as vagas ociosas em universidades privadas.
No entanto, esses objetivos, parte essencial da transformação radical da universidade em seu caráter de classe, nunca serão alcançados enquanto sua gestão se mantiver sob o controle estrito de uma burocracia que se apoia no autoritarismo mais atrasado a nas mais desmedidas medidas repressivas para nos empurrar goela abaixo seu projeto educacional de aprofundamento da situação atual, enquanto nadam no mar da lama de sua corrupção, trocando entre si cargos e contratos na forma de favores e privilégios. Por isso há que se colocar este programa no sentido de acabar com esta casta burocrática, lutando por uma universidade que tenha seu conhecimento e sua estrutura a serviço dos trabalhadores e do povo.
Não a PM assassina de Serra na USP! Não à violência policial contra jovens e negros!
Há algumas semanas, Januário A. De Santana, um homem negro, funcionário da USP, foi tomado por suspeito do roubo de seu próprio carro, ao lado do qual se encontrava no estacionamento de uma loja do Carrefour em Osasco. Espancado e torturado pelos seguranças em uma salinha do supermercado, ouviu, com a chegada da policia ao local, que tinha “cara de que tem pelo menos três passagens”, e não foi socorrido. Agora nesta semana, mais uma jovem foi morta em uma repressão policial.
E não por menos o cenário é mais um grande bairro popular de São Paulo, Heliópolis. Só neste ano, a revolta de moradores contra a repressão policial tomou corpo em Paraisópolis e em diversas situações na zona norte, e agora a policia mais uma vez mira suas armas contra a juventude com a morte de Ana Cristina Macedo, em Heliópolis.
Não podemos mais tolerar a brutal repressão e violência policial contra os jovens e negros nas periferias das grandes cidade. É essa polícia racista, assassina, que reprime movimentos sociais na cidade e no campo, ocupa universidade e chacina trabalhadores em favela, cumprindo seu papel de proteger, a qualquer custo... a desigualdade.
O Movimento estudantil que lutou contra a presença da PM no Campus anos passado deve se colocar ao lado da juventude que sofre com a violência policial na periferia. Devemos acabar com esse estado policial e realizar uma ampla e forte campanha a partir da USP, exigindo a readmissão de Brandão e outros dirigentes sindicais perseguido, e se ligar com outros setores da sociedade que sofrem com suas casas sendo destruidas, suas filhas sendo mortas e a permanente vigilia nos morros e favelas de São Paulo.
Pela readmissão de Brandão e a não repressão aos trabalhadores e estudantes perseguidos!
Punição aos policiais e ao Carrefour racistas pela agressão de Januário.
Punição ao assassinos de Ana Cristina!
Fora a polícia de Heliópolis!
Abaixo a repressão policial à juventude!
Nenhum comentário:
Postar um comentário